CONSERVADORISMO E CISHETERONORMATIVIDADE
OS OBSTÁCULOS PARA A ELEIÇÃO DA POPULAÇÃO LGBT NO CENÁRIO BRASILEIRO
Resumo
O ano de 2022 chegou anunciando o recorde de candidaturas LGBTs no Brasil, num governo vigente marcado pelo conservadorismo e assombrado por um ideal excludente de corpos e de mentes. A notícia acerca das candidaturas LGBTs abre espaço para bolhas conservadoras disseminarem o ódio como forma de desencorajamento ao preenchimento político por corpos dissidentes. Há diversos obstáculos quase obsoletos que perseguem a população LGBT brasileira, porém alguns são reinventados e aprimorados a depender das lideranças políticas em destaque. Logo, a população LGBT que ainda é vulnerável em relação aos seus direitos que na sociedade brasileira são ameaçados diariamente se vê reiteradamente num contexto político que não pode ser desenhado por corpos dissidentes e onde permanece na mira cisheteronormativa. Diante disso, parte-se do seguinte problema: O conservadorismo junto a cisheteronormatividade tem dificultado a eleição da população LGBT no Brasil? Com os dados analisados percebe-se que sim, há pesquisas já realizadas que demonstram como o conservadorismo intensificado nas eleições de 2018, obstaculizam e marcam os corpos LGBTs. Por isso, o objetivo deste trabalho é analisar o impacto dos comportamentos conservadores cisheteronormativos em relação à população LGBT no Brasil. Dentre os objetivos específicos destaca-se a) abordar os dados sobre as violências proferidas contra LGBTs no Brasil; b) refletir sobre os embasamentos teóricos acerca dos discursos de ódio e da linguagem como construção cisheteronormativa; c) analisar como o conservadorismo e cisheteronormatividade têm operado em relação aos corpos LGBTs eleitos no Brasil. A metodologia adotada no presente trabalho é de pesquisa qualitativa e emprega a técnica de pesquisa bibliográfica por meio de teses, dissertações, artigos científicos e livros. As ferramentas de ódio utilizadas para impossibilitar a existência de candidaturas LGBT são múltiplas e articuladas, variam desde o discurso de ódio até o esvaziamento de vida dos corpos dissidentes. Recentemente, em 2019 uma pesquisa intitulada Violência contra LGBTs+ nos contextos eleitoral e pós-eleitoral, apontam que as violências direcionadas a população LGBT aumentaram expressivamente em 2018. Dentre as violências apontadas, constatou-se assédio moral, violência verbal, tratamento discriminatório, violência física, dentre outros tipos de violência. Sobre esses dados, cabe mencionar ainda que dos entrevistados/as/es, 47% alegou ter sofrido violências LGBTfóbicas mais de três vezes (Bulgarelli, 2019, p.18-27). Ainda nesse cenário, o Grupo Gay da Bahia segundo pesquisa evidenciou que em 2021 ocorreram mais de 300 mortes LGBTs, uma morte a cada 29 horas. Em 2022 foram registradas 273 mortes, em 2023 230 mortes, uma morte a cada 38 horas no Brasil e, estes são dados subnotificados, pois inexiste pesquisa realizada por órgãos governamentais (ANTRA, 2023). Esses dados apontam para uma direção comum, realçando os dados que o Brasil é um dos países que mais extermina a população LGBT (Oliveira; Mott, 2021). Parte desse projeto de extermínio da população LGBT é projetada ainda no bojo da linguagem, sendo compreendida aqui como aquilo que tem o poder de nomear/chamar/anunciar o outro. Wittig (2022) explica que a linguagem oferece a todos a possibilidade de tornarem-se sujeitos, porém quando se pensa nos recortes de gênero, situando aqui as mulheres, essa mesma linguagem que tem o poder de constituir, retira a sua subjetividade, direcionando as mulheres desde sua origem nominal a uma condição de fragilidade. O mesmo acontece com a população negra, quando a branquitude nomina e regula o racismo. Com a população LGBT não é diferente. A autora destaca que “o pensamento hétero desenvolve uma interpretação totalizante da história, da realidade social, da cultura, da linguagem e de todos os fenômenos subjetivos ao mesmo tempo (Wittig, 2022, p.62). Além disso, a autora pontua que o que está “no centro da história e da política é o corpo social”. Indo além, nessas relações de poder de enunciação há aquele que profere e aquele que recebe o discurso. Butler entende que em relação ao discurso de ódio, este é formado antes, há uma construção anterior ao sujeito, porém o sujeito que anuncia é responsável por esse discurso, justamente por repeti-lo, reeditá-lo, reafirmá-lo. Nas palavras da autora “quem enuncia o discurso de ódio é responsável pela maneira como ele é repetido, por reforçar esse tipo de discurso, por reestabelecer contextos de ódio e injúria” (Butler, 2021, p.54-65). Desta forma, quando a população LGBT é alvo de ataques odiosos, permanecem enquanto receptores do discurso, mas e aquele que anuncia? Entende-se aqui que o poder de anunciar está atrelado tanto aos sujeitos “comuns”, mas também ao Estado (Butler, 2021). Assim, cumpre destacar que no Brasil hoje, parte dos discursos de ódio direcionados a população LGBT se fortalecem com a ascensão do bolsonarismo. Sobre isso a autora Fabíola Vasconcelos (2020, p.120-125), em sua tese aponta que a direita conservadora assumida explicitamente no governo Bolsonaro é um retrocesso para todas as pautas que dialogam direta ou indiretamente com minorias. Sendo assim, esse conservadorismo anunciado, via “discurso de ódio” terá como alicerce ideais patriarcais e que flertam abertamente com aspirações liberais norte-americanas. Logo, tudo aquilo que seja considerado uma ameaça ao conservadorismo (como os corpos LGBTs) será atingido propositalmente inúmeras vezes. É notório destacar que na pesquisa realizada por Bulgarelli (2019) quase 50% dos entrevistados tenham declarado sofrer algum tipo de violência consecutivas vezes. Somado a isso é preciso lembrar que essas violências ocorrem em todos os espaços possíveis. Desde aquele que deveria ser seguro, ou seja, nas próprias famílias das vítimas e também externamente, nas ruas, ou via redes sociais. Portanto, quando se pensa: quais obstáculos que permanecem para a eleição da população LGBT? É preciso relembrar sobre aqueles que foram violentamente retirados deste mundo, no exercício político democrático, como Marielle Franco. Existe a possibilidade de chegar a um espaço político, com representatividade, com direito a enunciar/anunciar como diz Butler, pelo Estado? Num cenário democrático via eleição, sim. Logo, quando Marielle assume esse espaço e é violentamente arrancada, há uma mensagem de ódio direcionada a vários corpos, inclusive aos LGBT. Há um anunciador “não nominado” que diz para diversos outros corpos, aquele que tem o poder de anunciar. Marielle Franco que foi alvo das aspirações de ódio bolsonarista deixou vozes que ecoam no mundo todo, porém ainda sofrem ameaças, como a deputada Duda Salabert, mulher trans, a época vereadora mais bem votada em Belo Horizonte, que sofreu ataques diretos vindos de outro vereador “conservador”. Em 2018, no auge dos disparos conservadores, Erica Malunguinho eleita em São Paulo, também foi alvo dos discursos de ódio. O mesmo ocorreu com a deputada Érika Hilton, na época vereadora por São Paulo, com diversos PLs em relação à população LGBT. A violência política no Brasil tem cor, corpo, gênero, identidade de gênero e escolaridade, logo observar o Brasil como um laboratório democrático sem levar em consideração as subjetividades dos sujeitos que ocupam os espaços políticos é no mínimo ultrajante. Cumpre destacar que as violências políticas se manifestam de diversas formas, como assédios verbais, silenciamentos, agressões físicas, ameaças, importunações sexuais e assassinatos. Essas formas de violência assumem consequência reais, uma delas é percebida em relação à pesquisa realizada com mulheres trans, onde 80% das entrevistadas alegaram se sentir inseguras em relação à própria atuação após a eleição. Dentre as motivações de violências direcionadas as pessoas trans, para além da transfobia e do machismo, 63% dos atos de violência continham racismo (ANTRA, 2021). Nas eleições de 2022 no Brasil, 267 candidaturas LGBTs foram registradas, sendo este número dividido entre 21 partidos. Diante disso, há inúmeras perguntas que devem ser feitas. Este trabalho não busca traçar respostas sobre um cenário esperançoso, mas sim deixar provocações para que seja possível “pensar uma estrutura democrática” eleger a população LGBT e fortalecer redes de apoio que visem fraturar as estruturas que projetam sujeitos que promovem discursos de ódio, mobilizando as massas a aderir a transfobia, racismo, dentre outras formas de desumanidade. Há indícios mais que suficientes que apontam para a dificuldade da eleição e atuação da população LGBT no Brasil. Há um peso mais denso para aqueles que além de mergulharem nos espaços políticos precisam traçar estratégias de sobrevivência e enfrentamento a violências cotidianas. Portanto, esse trabalho é um convite para pensar nos privilégios raciais, de gênero e classe que operam contra os corpos dissidentes e que nas eleições dificultam o acesso e permanência desses corpos em espaços políticos. E sobretudo, pensar o sistema político brasileiro lembrando de como as amarras coloniais ainda moldam as mentalidades brasileiras, como o pensamento cisheteronormativo produz ódio e aniquila corpos e por fim pensar como o conservadorismo é aliado e alimenta as políticas de retrocesso. É urgente chamar a atenção para o cenário político brasileiro.
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