INTERVENÇÃO MILITAR JÁ!
INVESTIGANDO AS BASES DA TOLERÂNCIA AOS MILITARISTAS NO BRASIL
Resumo
Nos marcos da democracia contemporânea, tolerância política pode ser definida como o resultado do acesso legalmente garantido ao livre mercado de ideias de todas as ideologias ou projetos políticos existentes (Gibson, 2009). Excluídas as ideias que pregam violência, mesmo grupos que defendem projetos considerados não conformistas pela ideologia dominante, como os comunistas na época em que Stouffer (1955) conduziu seu estudo pioneiro, deveriam ser tolerados em contextos democráticos. No campo do comportamento político, a tolerância se refere à atitude de aceitação da fruição de direitos políticos pelos grupos com os quais o indivíduo manifesta forte discordância de projeto político (Sullivan, Piereson e Marcus, 1982). Nesse sentido, a tolerância política se diferencia da tolerância social e do preconceito (Gibson, 2009), já que pressupõe muito mais do que a ausência de estereótipos negativos baseados em características físicas ou elementos culturais e pode existir mesmo na presença destes. Um dos principais preditores da intolerância política é a percepção de ameaça individual e sociotrópica gerada pelo grupo de discordância (Sullivan, Piereson e Marcus, 1982). Sendo assim, um indivíduo preconceituoso em relação a certo grupo, mas que não percebe os seus membros como perigosos ou ameaçadores em termos políticos, provavelmente não apresentaria atitudes intolerantes. Para lidar com a tolerância como objeto de investigação empírica, a primeira tarefa é identificar a quem ela se dirige. O estudo pioneiro de Stouffer (1955), realizado no contexto do macarthismo norte-americano, lidava com a prevalência de uma ameaça ideológica única, o comunismo. A dificuldade cresce exponencialmente quando se amplia o universo dos grupos que são alvos de intolerância. O General Social Survey, principal fonte de dados sobre o tema nos Estados Unidos, por exemplo, inclui em seu levantamento cinco grupos: ateus, comunistas, homossexuais, militaristas e racistas. Os eventos políticos recentes ocorridos no Brasil, com destaque para as invasões e depredações dos prédios sedes dos três poderes em Brasília, tensionam os limites dessa discussão sobre quais grupos ou práticas devem ser tolerados. Na década de 1970, Popper (2012) já alertava sobre o paradoxo da tolerância, indicando claramente que o intolerável tem início com a ameaça ao próprio sistema de garantias do sistema de tolerância, ou seja, a democracia. A defesa pública de uma ação intervencionista capitaneada pelas forças armadas, nesses termos, escaparia desses limites, mas foi amplamente tolerada ao longo dos quatro anos de governo Bolsonaro em nosso contexto. O objetivo geral desse trabalho é buscar entender quem são os eleitores nacionais que manifestam atitudes de aceitação ou negação de direitos políticos desses grupos que aqui chamamos de militaristas. Para tanto mobilizamos dados inéditos da Pesquisa Clivagens Políticas no Brasil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, por meio de técnicas de análise descritivas e multivariadas no ambiente R de programação, para identificar condicionantes dessas atitudes políticas e também para estimar um perfil de tolerantes e intolerantes aos militaristas. A metodologia utilizada é a quantitativa, usando dados da pesquisa de Clivagens Políticas no Brasil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) feito entre o período de 17 janeiro a 14 fevereiro de 2023. A variável de análise foi definida como sendo a pergunta número 27 do instrumento: Agora considere uma pessoa que defende acabar com as eleições para que os militares governem o país. Se essa pessoa quisesse fazer um discurso em sua comunidade defendendo essa ideia, ela deveria ter permissão para falar ou não? 1) Sim, deveria ter permissão; 2) Não deveria ter permissão.
RESULTADOS FINAIS
Na Tabela 1, com base no direito de uma pessoa possuir um discurso. O resultado indica que 31,4% concorda que uma pessoa deveria ter a permissão, enquanto 68,6% são contrários a esse pensamento:
Tabela 1. Direito de uma pessoa possuir um discurso militarista
%
Sim, deveria ter permissão
31,4
Não deveria ter permissão
68,6
Fonte: Clivagens Políticas no Brasil (UFSC), 2023.
O perfil sociodemográfico dos eleitores brasileiros que defendem ou não esse tipo de propaganda da ruptura institucional pode ser identificado no conjunto de tabela multivariada, com um modelo de regressão logística binária, com objetivo de descrever a relação entre a variável de análise e as variáveis sociodemográfica, que tentam prever a probabilidade de um discurso ser militarista através das características dos entrevistados:
Tabela 2. Análise Multivariada do Perfil dos Entrevistados
Discurso Militarista
Predictors
Odds Ratios
CI
p
(Intercept)
0.50
0.13 – 1.67
0.286
Sexo [Mulher]
0.70
0.54 – 0.91
0.007
Cor [Indígena]
0.19
0.01 – 1.03
0.116
Cor [Negra]
0.77
0.51 – 1.14
0.199
Cor [Parda]
0.78
0.58 – 1.03
0.080
Cor [Outra]
1.14
0.46 – 2.67
0.765
Faixa Etária [18 a 24]
0.92
0.29 – 3.52
0.891
Faixa Etária [25 a 44]
1.48
0.49 – 5.43
0.512
Faixa Etária [45 a 59]
1.43
0.47 – 5.30
0.556
Faixa Etária [60 ou +]
1.38
0.45 – 5.16
0.593
Escolaridade [5ª à 9ª]
1.13
0.72 – 1.81
0.594
Escolaridade [Médio Incompleto]
0.79
0.31 – 1.89
0.599
Escolaridade [Médio Completo]
1.22
0.70 – 2.16
0.487
Escolaridade [Superior Incompleto]
1.31
0.42 – 3.93
0.635
Escolaridade [Superior Completo]
0.94
0.42 – 2.10
0.886
Religião [Protestante]
1.49
0.95 – 2.33
0.080
Religião [Evangélica]
1.42
1.04 – 1.95
0.027
Religião [Espírita]
0.72
0.38 – 1.30
0.296
Religião [Mórmon]
1.42
0.06 – 15.40
0.779
Religião [Jeová]
1.24
0.32 – 3.98
0.732
Religião [Afro]
1.03
0.32 – 2.87
0.961
Religião [Outra]
1.08
0.51 – 2.20
0.830
Renda [1 a 2 SM]
0.74
0.49 – 1.13
0.161
Renda [2 a 5 SM]
0.83
0.49 – 1.40
0.493
Renda [5 a 10 SM]
0.94
0.47 – 1.88
0.862
Renda [10 a 20 SM]
0.57
0.21 – 1.48
0.253
Renda [20 SM]
0.74
0.22 – 2.35
0.619
Interesse por Política [Interessado]
0.90
0.64 – 1.26
0.528
Interesse por Política [Pouco Interessado]
0.83
0.59 – 1.17
0.291
Interesse por Política [Nada Interessado]
0.76
0.50 – 1.16
0.207
Observations
1221
R2 Tjur
0.030
Fonte: Clivagens Políticas no Brasil (UFSC), 2023.
O modelo de regressão sugere, com base nas variáveis sóciodemográficas selecionadas, que pessoas do sexo masculino e aqueles que se declaram evangélicos tem maior propensão a tolerar o discurso militarista. Por outro lado, a ausência de associação significativa com as variáveis cor, escolaridade, faixa etária, renda e interesse por política apontam distribuição que não influencia de forma significativa o perfil do eleitor brasileiro na manifestação dessa atitude tolerante.
As descobertas aqui apresentadas nos oferecem uma base sólida para discussões sobre os determinantes da opinião política nacional, refletindo a complexidade das dinâmicas de grupos sociais e culturais que moldam as preferências eleitorais ao militarismo. De acordo Ferreira (2023) sexo e religião são duas variáveis importantes, pelo fato da base de apoio do ex-presidente Bolsonaro (defensor do Regime Militar) nos últimos anos estar justamente centrada no público evangélico e entre os homens; enquanto entre as mulheres a rejeição ao então candidato tornou-se maior por conta dos discursos misóginos. A escolha em Bolsonaro, deve-se ao fato do político colocar-se como o defensor dos “autênticos” interesses cristãos, principalmente por bater de frente com pautas sociais que vão totalmente na contramão da religião, como a questão do aborto, da criminalidade, das drogas e os direitos a comunidade LGBTQI+ (Ferreira, 2022).
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