A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

UMA INTRODUÇÃO EPISTEMOLÓGICA A PARTIR DE ENRIQUE DUSSEL

Autores

  • Elias Guilherme Trevisol
  • Graziela Cristina Luiz Damaceno Gabriel

Resumo

A pesquisa possui como temática central a filosofia da libertação de matriz dusseliana. Pretende-se responder quais são as bases epistemológicas introdutórias da filosofia da libertação idealizada por Enrique Dussel? Para resolver a problemática proposta, objetivar-se-á analisar, como objetivo geral, as bases do método filosófico da libertação dusseliana, sendo firmada a hipótese de que se compõe “de seis níveis de reflexão: Proximidade; Totalidade; Mediação; Exterioridade; Alienação; Libertação e quatro momentos metafísicos: Política, Erótica; Pedagógica; Antifetichismo” (Fagundes; Martínez, 2018, p. 126).

Os objetivos específicos são três, divididos da seguinte forma: i) Identificar e descrever as categorias metodológicas da filosofia da libertação sob a ótica de Enrique Dussel; (ii) Estruturar a aplicação da filosofia da libertação na sociedade brasileira e (iii) Interpretar as bases epistemológicas e finalidades da filosofia da libertação.

O método utilizado na pesquisa será o dedutivo, uma vez que a pesquisa parte das teorias gerais para analisar fenômeno particular. De duas premissas, se irá observar e definir uma possivelmente verdadeira, a fim de responder os objetivos propostos.

A técnica científica utilizada será a bibliográfica, com utilização de documentação indireta, através de análise prévia e coleta de material documental (fonte primária) e bibliográfico (fonte secundária) (Lakatos; Marconi, 2003, p. 174).

Pode-se referir como um marco inicial para a ponderação das bases da filosofia da libertação de Enrique Dussel, quando, após seu doutoramento em Madri (1957-1959), houve a descoberta da miséria do povo latino-americano e seu encobrimento ou alocação da América Latina fora da história, refletindo um novo objetivo ao filósofo argentino, encontrar o lugar de seu povo na “História Mundial, partindo da sua pobreza, e, assim, descobrir a sua realidade oculta (Dussel, 1995, p. 14).

Sob os ensinamentos embrionários da filosofia da libertação, Enrique Dussel (1995, p. 19) afirma:

 

Porque a experiência inicial da Filosofia da Libertação consiste em descobrir o “fato opressivo da dominação, em que sujeitos se constituem “senhores” de outros sujeitos, no plano mundial (desde o início da expansão europeia em 1942; fato constitutivo que deu origem à Modernidade”), Centro-Periferia; no plano nacional (elites-massas, burguesia nacional-classe operária e povo); no plano erótico (homem-mulher); no plano pedagógico (cultura imperial, elitista, versus cultura periférica, popular etc.); no plano religioso (o fetichismo em todos os níveis) etc... [...] O pobre, o dominado, o índio massacrado, o negro escravo, o asiático das guerras do ópio, o judeu nos campos de concentração, a mulher objeto sexual, a criança sujeita a manipulações ideológicas (também a juventude, a cultura popular e o mercado subjugados pela publicidade) não conseguirão tomar como ponto de partida, pura e simplesmente, a “estima de si mesmo”. (grifo do original)

 

Com base na filosofia da libertação, Enrique Dussel destaca a necessidade de superar essa alienação por meio da construção de uma ética que coloque a dignidade humana no centro de uma “nova totalidade”, num questionamento crítico prático sobre as exclusões sociais e do outro, o que a teoria de Lévinas já não poderia ajudar (Dussel, 1995, p. 22). Argumenta-se que a alienação econômica, política e cultural deve ser enfrentada por meio da ação coletiva que busque o reconhecimento do outro e, sobretudo, na penetração do Outro na totalidade vigente, “do pobre na política econômica da exploração capitalista” (Dussel, 1995, p. 24).

Ao analisar a teoria marxista, Enrique Dussel supera a metodologia dialética quanto a análise concreta da realidade ser-capital, criando a Analética ou “Ana-dialética”, ou, o “mais além” encoberto pela modernidade (Dussel, 1993, p. 77-78), a crítica a partir da Exterioridade. Assim, descreve o autor:

 

Marx pode ver com novos olhos, pode criticar o próprio ser do capitalismo (o capital-valor) a partir de uma exterioridade prática que lhe exige explicitar para os oprimidos uma teoria que explique aos trabalhadores fundamento da sua alienação.

Criticar a ontologia, o ser (o capital), a partir da exterioridade prática e utópica (ou seja, a partir de organizações históricas que lutam contra o sistema como totalidade e com a proposta e a esperança de um "reino da liberdade") é o que designamos por "transcendentalidade analética". Por "ana-lética" queremos indicar o "mais além" (em grego, anó-) do horizonte ontológico. A negação da negação da totalidade (a negação do trabalho assalariado como subsumido no capital) só pode partir da afirmação da exterioridade analética ou da capacidade de transcendentalidade que o homem sempre tem por ser homem. A realização real e histórica de tal afirmação exige mediações concretas de emancipação, mas, antes de sua realização, há que situar-se praticamente naquela exterioridade, há que formular uma teoria crítica radical, há que organizar as mediações políticas e, por fim, tornar efetiva na história a nova ordem alternativa. (Dussel, 2012, p. 346)

 

Sob a mirada de Lucas Machado Fagundes e Alejandro Rosillo Martínez, a Analética é o último estágio do pensar crítico filosófico da filosofia da libertação, pois trata-se de fruto de amadurecimento intelectivo de Dussel, cuja afirmação do “sujeito do pensar em sua condição de exterioridade à totalidade da História e da Filosofia moderna” (Fagundes; Martínez, 2018, p. 126).

Nesse cenário, a efetividade da filosofia da libertação se dá a partir de “uma práxis histórica de libertação” (Fagundes; Martínez, 2018, p. 166), de maneira que é incompatível efetivar-se a filosofia da libertação junto a uma inércia política, é preciso partir epistemologicamente de um lado e, claramente esse lado, para Dussel, é o do pobre, do oprimido, desde a negação da negação do capital (Dussel, 2012, p. 347), assim, equivale dizer, não há filosofia da libertação sem seu fim “construtivo” da libertação (Dussel, 1995, p. 133).

Em outras palavras, é preciso implementar tanto a perspectiva da revelação da opressão centro-periferia ao impor a injustiça da negação do ser do Outro (Zimmermann, 1986, p. 195), quanto criar política e estrategicamente novas concepções de libertação ontológica e filosófica do Ser de toda totalidade opressora.

Uma análise epistemológica crítica acerca das bases da filosofia da libertação dusseliana pressupõe a esquematização de saberes e conhecimentos que possam interrogar criticamente a realidade social vigente num determinado lócus, através de processos científicos em movimento e sob uma nova mirada, que permita analisar a relação entre sujeito e objeto de uma forma menos ingênua, que amplie o alcance de investigação (Almeida; Pando, 2021, p. 694). Dessa forma, por exemplo, pode-se analisar-se não somente a árvore, mas a floresta como um todo.

A função libertadora da filosofia é inerente à função crítica orientada e apta à desmascarar o que de falso, oculto e injusto “contém na ideologia dominante como momento estrutural de um sistema social” (Martínez, 2015, p. 38).

Com efeito, considerando-se a evolução da pesquisa, a hipótese inicial se confirma até o momento, obtendo-se como norte epistemológico da filosofia da libertação dusseliana os seis níveis de reflexão: Proximidade; Totalidade; Mediação; Exterioridade; Alienação; Libertação e quatro momentos metafísicos: Política, Erótica; Pedagógica; Antifetichismo, cujas análises projetam uma elaboração alternativa de horizonte ontológico, “meta-físico ou transcendente em relação ao horizonte burguês”. Esse objeto constitui a totalidade da visão burguesa de mundo, elitista, machista, homofóbica, aporofóbica, excludente, como objeto de crítica. É a partir da “exterioridade do pobre”, “do trabalho vivo como alteridade absoluta do capital (o não capital por excelência)” que o filósofo da crítica radical, a partir desta exterioridade pode negar a negação, pode suprimir a alienação e, assim, libertar o aprisionado (Dussel, 2012, p. 347).

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Publicado

2024-12-12