SOBRE A QUESTÃO JUDAICA

A CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS DE MARX E O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL DO SÉCULO XX

Autores

  • Danilo Masiero Duarte Nascimento
  • Henrique Franco Morita

Resumo

A presente pesquisa parte da abordagem crítica aos Direitos Humanos sobre a visão de Karl Marx a partir de sua obra Sobre a Questão Judaica (1844). Ao polemizar a teoria levantada por Bruno Bauer a respeito da situação das comunidades judaicas da Prússia, Marx vê a oportunidade de abordar a temática dos Direitos Humanos no contexto das discussões referentes à emancipação política e humana, especificamente aos princípios anunciados pela Revolução Francesa no que tange aos direitos do homem (Ataide, 2018, p. 442). Portanto, esta pesquisa não alcançará as posteriores teorias filosóficas e econômicas de Marx, focando-se, apenas, no contexto do ano de 1844, ano de publicação de Sobre a Questão Judaica e na análise da crítica das Déclarations des Droits et des Devoirs de L'homme et du Citoyen, mais especificamente àquelas dos anos de 1793 e 1795, elaborada no ensaio que estão relacionadas aos chamados direitos individuais. Desta forma, Marx passará a analisar os Direitos Humanos, cujo recorte será os eventos ocorridos durante a Revolução Francesa, mais especificamente a partir da ideia de “homem” e “cidadão” apresentada nas Constituições de 1793 e 1795. Em sua crítica ele considerará que o homem quanto à sua definição lato sensu de Direitos Humanos, é diferente do sujeito cidadão. Em teoria, ambos deveriam estar praticando uma vida de participação comunitária, porém, o homme é o membro egoísta da sociedade burguesa, enquanto o citoyen é o efetivo integrante da comunidade (Marx, 2018, p. 48). A partir daí os lemas revolucionários de liberté, égalité e da sûreté, também serão objetos de análises do filósofo. A liberdade, neste caso, não é a mera relação entre os homens, mas sim a sua separação em comunidade, ou seja, é o direito de limitar a si mesmo, sendo um meio de garantir o direito humano da propriedade privada (Marx, 2018, p. 49). Já a igualdade, é analisada em seu sentido não-político a partir da definição do art. 3 da Constituição Francesa de 1795 (L'égalité consiste en ce que la loi est la même pour tous, soit qu'elle protège, soit qu'elle punisse), logo, ela passa a ser entendida como a afirmação da liberdade, onde cada homem é visto como uma “mônada que repousa em si mesma” (Marx, 2018, p. 49). Por fim, a segurança é entendida como o conceito social mais importante para a classe burguesa, onde o lema passa a ser uma ferramenta para proteger a propriedade privada e assegurar o egoísmo (Marx, 2018, p. 50). Em contrapartida estaria a concepção da fraternidade, valendo-se, neste caso, citar a perspectiva de Axel Honneth. Ao analisar o histórico do movimento socialista e adentrar especificamente aos escritos marxistas, o autor concluirá que não há possibilidade das relações fraternas numa economia de mercado, visto que todos os sujeitos que estão inseridos nela, são os mesmos que buscam vantagens para si mesmo, sem qualquer percepção fraterna ou solidária pelo outro (Honneth, 2022, p. 38). Por fim, vale ressaltar a importância da obra Sobre a Questão Judaica e a possiblidade de ser um escrito basilar para a futura evolução do pensamento marxista e socialista. Como já apontado, o texto critica veementemente os chamados direitos fundamentais de primeira geração, que seriam meios de garantir o status quo da burguesia favorecendo sua propriedade privada. Portanto, a obra Sobre a Questão Judaica, na perspectiva de Ramos (2022, p. 53), marcou uma etapa onde os Direitos Humanos defendidos até ali eram focados na esfera individual, resultando numa realidade no qual o proletariado era sujeito a uma violenta exploração. Posteriormente, no ano de 1848, com a publicação do Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels iriam defender “uma forma de organização social no qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido de cada um segundo a sua possibilidade” (Ramos, 2022, p. 53-54). Posteriormente em decorrência de diversas mudanças históricas, sociais e econômicas, e, inspiradas pelos escritos de Marx, surgiria no século XX um constitucionalismo social, em que normas trabalhistas passariam a proliferar em vários países, integrando, inclusive, suas constituições, sendo que os principais exemplos são a Constituição do México, de 1917, e a Constituição de Weimar, de 1919 (Souto Maior, 2011, p. 271). Portanto, é possível visualizar os ecos de Marx neste constitucionalismo social, no sentido de que tal ensaio, como demonstrado, foi essencial para a evolução do espírito e das ideias socialistas e democráticas que viriam a ser desenvolvidas posteriormente, cujo processo também impactou no Brasil. Tal influência é perceptível a partir da leitura da Constituição de 1988. Cita-se, por exemplo, a disposição acerca de que a República tem como fundamento (Brasil, 1988) a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF/88). Portanto, “o Estado brasileiro deve guiar suas condutas para obter uma sociedade livre, justa e solidária, atacando a pobreza e desigualdades odiosas” (Ramos, 2022, p. 591). Apresentada a problemática e a base teórica da pesquisa, esta tem como objetivo principal analisar as críticas aos Direitos Humanos elaboradas por Karl Marx em sua obra Sobre a Questão Judaica e como tais apontamentos ecoaram no constitucionalismo contemporâneo, cujas influências impactaram diretamente a elaboração do texto da Constituição Federal do Brasil de 1988. Desta forma, consideram-se os objetivos específicos: Caracterizar o contexto histórico e social da época que levou Karl Marx a tecer suas críticas aos Direitos Humanos; analisar as definições e as contradições dos conceitos de “homem” e “cidadão”, anunciados pelas Déclarations des Droits et des Devoirs de L'homme et du Citoyen, especificamente aquelas de 1793 e 1795, identificar quais as influências dos ecos da crítica marxista aos Direitos Humanos na elaboração das Constituições do século XX, especificamente a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 e como tais textos tiveram influência no Brasil a partir da redação da Constituição Federal de 1988. Ademais, com relação a metodologia empregada, a pesquisa será concebida através da técnica de levantamento bibliográfico constituído da doutrina jurídica relacionada ao campo dos Direitos Humanos, a obra cuja problemática fora concebida, Sobre a Questão Judaica, além de outros textos e artigos relacionados ao campo das ciências sociais e do Direito. Ademais, a pesquisa propõe-se a explicar as temáticas abordadas a respeito dos Direitos Humanos e traçar um paralelo com a crítica de Marx, que também servirão de base para o constitucionalismo social do século XX. Por fim, como resultados preliminares, espera-se demonstrar que é possível identificar quais os levantamentos teóricos elaborados por Karl Marx a respeito das concepções dos direitos fundamentais de primeira geração, em destaque as concepções de liberdade, igualdade e da segurança, estas que são elementos basilares para a crítica em si, que, com exceção dos laços fraternos e comunitários, apresentam a função de privilegiar uma determinada classe (o sujeito “homem”) em detrimento de outra (o “cidadão”) para favorecer a propriedade privada, ou seja, o sujeito do Direito Privado e o sujeito do Direito Público, respectivamente. Desta forma, percebe-se, portanto, quais as reverberações das ideias propostas na obra de Marx no que tange ao processo constitucionalista do século XX, especificamente a respeito do viés social das cartas de direitos da época, especificamente a Carta Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e a Constituição Federal de 1988, que se apresenta como uma síntese não só do processo histórico de desenvolvimento constitucional, como também de um resultado da efetivação das críticas elaboradas por Marx no século XIX, no sentido de, apesar de existirem direitos que abarcam essencialmente o núcleo privado do indivíduo, tantos outros se fazem valer e possuem uma característica social intrínseca, como bem estabelece, por exemplo, o art. 3º, I, da Constituição (Brasil, 1988), onde a construção de uma sociedade livre, justa e solidária se apresenta como aspecto determinante para a República Federativa do Brasil.

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Publicado

2024-12-12