REFLEXOS DO RACISMO INSTITUCIONAL NA MORTALIDADE MATERNA NO PAÍS
Resumo
Embora os direitos sexuais e reprodutivos tenham alcançados consideráveis avanços nas últimas décadas, consagrados como direitos humanos violações a estes direitos são constantes e muitas vezes naturalizadas pelas instituições de saúde.
Dentre as várias violações tem-se o elevado número de mortes maternas evitáveis causada por uma assistência de saúde precária. Porém a análise desta violência não pode ser realizada pela perspectiva de um único marcador, pois ficariam às margens dados que explicitam quais os corpos que estão desassistidos de seus direitos. Ao analisar a mortalidade materna pela perspectiva interseccional busca-se compreender quais as razões que mortes maternas evitáveis, apesar da violência de gênero inerente, recaem, em sua maioria em corpos de mulheres em espectros sociais e raciais diferenciados.
Assim, a presente pesquisa primeiramente analisa, através do olhar de Lélia Gonzales (2020), como o racismo é naturalizado pela sociedade brasileira. E posteriormente, compreender como esta ideia da democracia racial impede que se observe o racismo institucionalizado nas práticas hospitalares e na violência perpetrada na gestação ao puerpério.
O método de abordagem será o dedutivo, isto é, do estudo geral para o particular, através de levantamento bibliográfico e da análise de dados.
Diante da construção teórica sobre os espaços sociais, pela epistemologia identificada como neutra pela matriz colonizadora, banca-se a ideia de que democracia racial no país superou as discriminações raciais, justificado pela igualdade consagrado constitucionalmente.
Lélia Gonzalez (2020) faz uma ferrenha crítica ao mito da democracia racial, uma vez que produz o silenciamento do racismo na sociedade, naturalizando fatos e espaços ocupados por corpos negros, sob a alegação de um povo pacificador, sem segregação legal. Ao falar da mulata, doméstica e a mãe preta, Gonzales destaca como os corpos das mulheres negras estão inseridos pela perspectiva das ciências sociais, forjados como cultura brasileira, que naturalizam a violência que carregam, consideradas justificativas ideológicas para sustentar os sistemas de dominação racista e sexista, mantendo a mulher em uma situação subalternidade.
Não diferente ocorre no âmbito do sistema de saúde. De acordo com Maíra Fattorelli (2019) a discriminação contra as mulheres negras e as mulheres de baixa renda direcionam os parâmetros de atendimento, reflexos do processo político e social do Estado, colonizado por marcadores binários de raça e gênero. Desta maneira, a naturalização de práticas violentas mascara o racismo estrutural. O racismo está de tal forma enraizado estruturalmente que sua prática, mesmo implícita, é tolerável ou mitigada, e sua incidência fica evidenciada quando confrontados os dados da mortalidade materna.
A mortalidade materna pode ser entendida como uma violência aos direitos reprodutivos das mulheres, quando seus indicadores testemunham a alta taxa de mortalidade, refletindo a falha da prestação dos serviços de saúde, diante de mortes evitáveis, do período gestacional ao puerpério (Leal, et al, 2023).
Estudos preliminares referente a segunda edição do projeto “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, demonstrou que a mortalidade materna ainda é alta no país, resultando em 52,8 óbitos por cada 100.000 nascidos vivos, ainda longe de refletir a meta imposta na agenda 2030 de 30/100.000. Longe de determinar que todas as mortes maternas são casos de violência obstétrica, os dados elevados demonstram que a ocorrência de óbitos são consequências da negligência do Estado na tutela ao direito à saúde (Leal, et al, 2023).
No estudo, além de identificadas que são as mulheres negras (pretas e pardas) as maiores usuárias do Sistema Único de Saúde- SUS, a incidência de mortes maternas é quase o dobro, quando comparadas às mulheres brancas (Leal, et al, 2023). Entre os anos de 2015 a 2021 as causas obstétricas foram responsáveis por aproximadamente 60% dos óbitos maternos. Ao se apontarem as quatro principais causas de mortalidade materna- aborto, hipertensão, hemorragia e infecção- o risco de óbito das mulheres negras foi superior ao das mulheres brancas. Registrando uma diferença de até três óbitos por um por transtornos hipertensivos (Leal, et al, 2023).
No entanto, o marcador interseccional não está sendo utilizado nas análises dos dados para a avaliação dos serviços social e de saúde. Além disso o racismo institucional impede que os profissionais de saúde percebam a diferenciação no atendimento público (Fattorelli, 2019). Isto porque, apesar dos dados apresentarem um número maior de mortes em mulheres negras, entrevista realizada no Distrito Federal, profissionais da área de saúde afirmaram não identificar racismo nos atendimentos, alegando que a diferença de atendimento se dá pela gravidade do caso ou risco à saúde (Carneiro, 2017). Corroborando, outro estudo realizado em uma maternidade pública do Rio Janeiro, profissionais de saúde também afirmaram a igualdade de tratamento entre mulheres, e caso houvesse alguma discriminação se faria sentir pela condição socioeconômica dessas mulheres (Santos, 2022).
Contudo, o marcador único, parece não trazer à tona a realidade social. Segundo os autores Mittelbach e Albuquerque (2022) quando estes profissionais de saúde deixam de considerar que mulheres negras, estatisticamente apresentam maior riscos de complicações e morte na gestação, parto e puerpério, o risco à saúde demarcado por eles está desnivelado. Além disso, analisar o enfrentamento à violência obstétrica pela igualdade normativa, não pontuam, conforme expõe Santos (2022) as pautas relativas às especificidades das mulheres negras, ou seja, condições trabalho, moradia, saúde, religião, entre tantos outros marcadores que marginalizam às mulheres negras.
Assim, o estudo de mortes maternas deve ser analisado pela lente da interseccionalidade, pois as condições de raça, classe, sexualidade das mulheres, impactam de forma direta nesta violência perpetradas contra as mulheres, em especial em mulheres negras.
O elevado número de mortes maternas evitáveis revela a violência institucional. E por consequência a ineficiência do Estado na proteção aos direitos reprodutivos das mulheres.
Apesar de ser uma violência de gênero, é perceptível quais corpos são mais suscetíveis de sofrer a violência. Contudo, conforme demonstrado, profissionais de saúde não consideram o racismo como uma violência praticada nos atendimentos, embora os dados acerca das mortes maternas demonstrem o contrário.
A utilização de marcador único na análise dos dados invisibilizam corpos e histórias, demonstrando a manutenção do sistema de opressão e subjugação, legitimados por uma estrutura social racista, sexista e desigual. Portanto, somente ao utilizar as lentes da interseccionalidade percebendo os como os marcadores de gênero, raça, sexualidade, idade, entre outros atravessam os corpos de mulheres de forma diferente poderá se alcançar a justiça reprodutiva.
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