COMBATE AO RACISMO E A POSTURA HERMENÊUTICA DE SE PENSAR COMO UM NEGRO
Resumo
O Brasil foi originalmente constituído como uma colônia portuguesa erguida principalmente sob a força do trabalho escravo alimentado pelo tráfico negreiro. Após sua independência em 1822, foi o último país da América Latina a acabar com a escravidão após um processo extenso de luta abolicionista. A Lei Áurea de 1888 culminou com a libertação dos escravos, porém a população afrodescendente foi deixada à própria sorte e relegada à miséria, convivendo com o descaso estatal e um forte racismo disseminado pela sociedade. Esta pesquisa tem por objetivo refletir sobre o racismo na sociedade brasileira a partir da hipótese de que o racismo corrompe a visão da sociedade sobre os corpos negros até os dias atuais e se reproduz em todos os espaços, alterando as percepções dos indivíduos ainda que de forma inconsciente. Esta dimensão estrutural do racismo permanece entranhada nas mais sutis manifestações das relações sociais. Em verdade, o racismo é sempre estrutural por ser um elemento que integra a organização da sociedade em suas entranhas políticas e econômicas, constituindo-se em um tipo de preconceito capaz de alimentar a lógica e o sentido da desigualdade e da violência na sociedade contemporânea, a qual não pode ser compreendida fora do conceito de raça (ALMEIDA, 2019, p. 15). Daí porque no longo caminho de combate ao racismo no Brasil diplomas normativos como a Constituição de 1988, a Lei n° 7716/89 que define os crimes resultantes do preconceito de cor ou raça, o Estatuto
da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e a adoção de cotas para a populaçãonegra foram ferramentas importantes para a continuidade de um processo que vem obtendo certo êxito na luta contra uma discriminação outrora muito mais ostensiva e explícita. É possível constatar, entretanto, que estas mesmas ferramentas precisam ainda ser aprimoradas e ampliadas em razão de não terem sido suficientes na efetivação de uma sociedade racialmente justa. O racismo notadamente possui um caráter sistêmico e se constitui não como um conjunto de atos isolados, mas sim através de um processo no qual condições de subalternidade e privilégio distribuídas entre grupos raciais se reproduzem na economia e na política (ALMEIDA, 2019, p. 21-24). É por esta razão que se conclui a necessidade de uma reformulação legislativa sobre o tema, bem como a defesa de uma proposta hermenêutica pautada na garantia à existência de condições de igualdade material do ponto de vista racial. Atualmente vivemos um cenário de maior refinamento e sofisticação do racismo remanescente, o qual resiste entre aqueles que insistem em adaptar o discurso discriminador para, tornando-o menos explícito, continuarem disseminando discursos de ódio. Se, de um lado, a moralidade pública mundial tem se posicionado com aversão aos atos abertamente racistas, não é possível ainda falar em uma transformação completa dos indivíduos na maneira como se comportam e nem em um desaparecimento das representações discriminatórias às minorias raciais. Uma das evidências deste fato é a constatação, por determinados psicólogos cognitivistas, da existência de esquemas mentais formados por representações sociais construídas pelo psiquismo humano, o qual seria estruturado em um raciocínio através dos elementos da percepção, da classificação e da generalização (MOREIRA, 2019, p. 33). Desta forma, mesmo pessoas que aberta e publicamente se manifestam contrárias ao racismo podem terminar incorporando uma preferência por se relacionarem com indivíduos do mesmo grupo racial com o qual convivem, excluindo pessoas negras de seus círculos e mantendo uma espécie de distanciamento social por um sentimento de superioridade. Surge então a figura do racismo aversivo como manifestação de uma discriminação lastreada na expressão de preconceitos sutis, porém persistentes, relacionados ao desprazer na interação social com pessoas negras. Soma-se a este quadro a existência do
racismo simbólico como nuance relativa às construções culturais capazes de estruturar a forma de representação das minorias raciais. Assim, a negritude passa a ser ligada a infinitas representações negativas e repulsivas (MOREIRA, 2019, p. 33-34). Não à toa, o preconceito corrompe os relacionamentos entre os indivíduos no campo da vida particular e seus efeitos se estendem na esfera da vida pública. Decorre desse quadro o racismo institucional, o qual se prolifera nas mais diversas entidades, públicas ou privadas, não somente quando estas prestam ou deixam de prestar serviços de forma discriminatória, mas também quando pessoas deixam de obter oportunidades de ascensão profissional ou de emprego nestas instituições por causa da raça (MOREIRA, 2019, p. 35). A sofisticação do racismo enquanto estrutura da sociedade, portanto, demanda um novo empenho no combate ao preconceito. A luta contra a discriminação perpassa pela conscientização da população e pelo fortalecimento da negritude. É neste sentido a hipótese de que a proposta hermenêutica de Adilson Moreira (2017) de se pensar como um negro deve ganhar força como expressão de alteridade e racionalidade jurídica necessária. Desta forma, o método adotado neste trabalho é o hipotético-dedutivo em relação ao problema vislumbrado. A presente pesquisa, por sua vez, é documental e bibliográfica acerca da persistência do racismo na sociedade brasileira, debruçando-se sobre a importância de refletir sobre o tema na própria Academia. Pensar como um negro independe da condição fenotípica do indivíduo – ou seja, pode inclusive ser realizado por pessoa fenotipicamente branca – e significa estar comprometido com uma interpretação da Constituição que permita a promoção da igualdade entre os diferentes grupos sociais. Para tanto, é preciso não se contaminar por uma epistemologia da ignorância ligada a uma deturpação estratégica da opressão racial para a criação de um mito de democracia racial (MOREIRA, 2017b, p. 417-418). Conclui-se, assim, que a extensa caminhada na efetivação dos direitos humanos e na consolidação de uma real democracia nacional diz respeito tanto à inclusão de minorias como os afrodescendentes quanto ao combate a todas as manifestações humilhantes e desumanizadoras que possam culminar no preconceito racial. Neste caminho serão imprescindíveis esforços de todos os segmentos sociais, incluindo os
juristas, especialmente na sedimentação do caminho de uma hermenêutica voltada para rumos emancipatórios da justiça social.
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