QUANDO A VÍTIMA DE ESTUPRO É MAIS CRIMINALIZADA QUE O AGRESSOR
O PL1904/2024 COMO AMEAÇA AOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS
Resumo
Os delitos de estupro e aborto, são delitos que, quando cometidos trazem a discussão inúmeras questões de relevância social, tais como, o porque foi cometido o crime, em que situações, qual a posição da sociedade em relação aos delitos e qual o papel do Estado frente aos mesmos, inclusive na proteção das vítimas desses delitos, que, em regra geral, são mulheres e meninas de baixa renda, com pouco ou nenhuma instrução ou qualquer tipo de apoio sociopsicológico para que possam entender o porquê de estarem sendo tratadas como criminosas quando, em realidade, são vítimas de violência sexual. O Projeto de Lei 1.904/24 que visa em uma das suas alterações dobrar a pena máxima para mulheres e meninas que praticarem o aborto após as 22 semanas de gestação mesmo nos casos de gestação resultantes do crime de estupro, a pena máxima a lhes ser imposta seria de 20 anos de prisão, ou seja, o dobro da pena máxima que é determinada ao autor do crime de estupro, levando-se em consideração que ela pode variar de 06 a 10 anos no máximo, conforme caput do art. 213 do Código Penal.A pesquisa fundamentou-se na revisão bibliográfica de obras que analisam o aborto e o crime de estupro, bem como a cultura do estupro no Brasil, assim como a legislação pertinente.O crime de estupro está previsto no art.213 do Código Penal Brasileiro, prescreve que: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” comete o referido crime.
Bem se sabe que, o sujeito passivo do crime de estupro no Brasil, em geral são as mulheres e meninas que culturalmente são percebidas como meio de reprodução e objeto de desejo.
Infelizmente, a triste realidade no Brasil da prática desse delito ser normalizada por grande parte da sociedade, reduz as mulheres e as meninas à objetificação. Na introdução da obra “Abuso, a cultura do estupro no Brasil” de Ana Paula Araújo, a autora faz um verdadeiro desabafo e define de forma clara, porque o crime de estupro é cultural no Brasil.
Estupro é o único crime em que a vítima é que sente culpa e vergonha. Sim, é crime, mas é algo tão comum e normalizado em nosso país – que ostenta a triste estatística de ser palco de um estupro a cada onze minutos (segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP) – que quem o sofre acha que é culpado por ele, uma vez que a sociedade em si também alimenta essa mentalidade. Há uma imensa parte da população, carente de esclarecimento, educação e políticas públicas, que ainda acha que a mulher que “não se dá o respeito” merece ser estuprada, que roupa decotada pode induzir um homem a se tornar um estuprador, que muitas mulheres mentem quando dizem que sofreram abuso para prejudicar o homem ou, ainda, que “homem é assim mesmo”. É um pensamento arcaico, machista, retrógrado e cruel, que, infelizmente, também está presente nas nossas instituições, que deveriam defender as pessoas estupradas, e não as acusar ou as constranger. Provavelmente por isso, na maior parte das vezes, a vítima se cala, não conta, não compartilha, e não registra queixa ou denúncia. (Araújo, 2020, p. 11)
O que Araújo busca demonstrar é que, a vítima da violência sexual passa a ser a culpada pela prática do delito em comento. Em outros termos, parece ser mais fácil culpar a vítima que responsabilizar o abusador, tratamento discriminatório e desigual que é respaldo na cultura patriarcal (Stolz; Lemos; et. al., 2023) e na equivoca percepção de que as mulheres e meninas induzem, porque são naturalmente sedutoras, o estuprador a praticar o delito.
O crime do aborto está previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal Brasileiro, nas suas mais variadas formas. Importante salientar que, o delito está previsto dentro do Capítulo I do codex onde se encontram previstos os “crimes contra a vida” no Título I do diploma legal onde estão previstos os “crimes contra a pessoa”
O crime estudado traz a discussão o quantum da pena aplicada, nesse sentido, importante abordar o Projeto de Lei 1.904/2024, que visa em uma das suas alterações, aumentar desproporcionalmente a pena, para até 20 anos de reclusão da vítima que praticar o aborto acima de 22 semanas de gestação mesmo que sendo a gestação resultante de estupro, ou seja, hoje o art.124 prevê pena de detenção de 01 a 03 anos, com a provação do PL citado a pena passará para reclusão de seis a vinte anos.
Avaliando-se o tipo de pena hoje prevista, e a que será prevista na reformulação do Código Penal caso seja aprovado o Projeto de Lei citado, além do aumento desproporcional, o cumprimento da pena caso a mulher ou menina seja condenada pela prática do delito começará no regime fechado, com isso nota-se também que se busca equiparar a pena do crime de aborto a forma simples do homicídio prevista no art. 121 do CP onde a pena é de reclusão de 06 a 20 anos.
Caso venha a ser aprovado o Projeto de Lei 1.904/2024, a vítima do crime de estupro, estará sujeita a condenação que equivale ao dobro da pena do abusador.
O Projeto de Lei 1.904/2024 tem estado no centro das acaloradas discussões sobre aborto. A proposta legislativa em nenhum momento alune a autonomia das mulheres e meninas sobre seus corpos, nem sequer levanta o fato de que a violação sexual sofrida e as consequências psíquicas, emocionais e físicas são uma afronta a sua integridade e dignidade humana.
Levando-se em consideração alterações que podem ocorrer caso o Projeto de Lei 1.904/2024 seja aprovado, as consequências serão tanto de cunho individual pois profundamente prejudiciais as mulheres e meninas vítimas de estupro, dado que a intenção do Projeto em comento é proibir em sua totalidade as práticas de aborto usando da força estatal para punir exemplarmente mesmo em casos tão afrontosos as vítimas como o é o estupro; como também sociopolíticas, porquanto o maior algoz das mulheres e meninas estupradas que fizeram o aborto serão os Poderes Públicos, isto é, o Estado.
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