BEM VIVER COMO EIXO DE AMPLIAÇÃO DO PLURALISMO JURÍDICO A PARTIR DA RESOLUÇÃO 287-19 DO CNJ E DESDE A JUSTIÇA PRÓPRIA INDÍGENA

Autores

  • Amirele Porto Machado
  • Rodrigo Rezende Batista

Resumo

Em 2019, o CNJ publicou a Resolução 287, regulando os artigos 56 e 57 da Lei Federal nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, o Estatuto do Índio (sic), assim como a Lei Federal nº 13.769/2018 e o art. 231, da Constituição Federal, considerando, ainda, a vinculação do Brasil à Convenção 169 da OIT, às Regras de Bangkok e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Seu objeto é o estabelecimento de procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, dando diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário brasileiro. A partir desta normativa emerge o problema de pesquisa, consubstanciado na investigação sobre como os planos de vida, ou Planos de Gestão Territorial e Ambiental de territórios indígenas (PGTA), assim como posto pelo Decreto 7.747/2012, que instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), poderiam dialogar com a Resolução 287/2019 do CNJ em prol do avanço em seus movimentos de resistência e insurgência perante o direito monista estatal e o próprio paradigma hegemônico. Para tanto, a pesquisa se lança na compreensão da cosmopercepção que verte da categoria teórica Bem Viver, vista como um instrumento sócio-ambiental capaz de promover novas formas de experimentar a vida, em harmonia entre os seres humanos e destes para com a Mãe Natureza, como forma de estabelecer uma base epistemológica sólida e diversa, dando novos sentidos às relações que vertem da humanidade. Assim, num segundo momento, o trabalho analisou a relevância da Resolução 287/2019 do CNJ para os povos indígenas, principalmente para a consecução teleológica de seus modos plurais de vida, baseados numa territorialidade não predatória da Natureza, que não raro escapa às limitações epistemológicas daqueles forjados exclusivamente na racionalidade instrumental do paradigma de tradição norte-eurocêntrica, cunhada no comércio e produtora de uma sociabilidade marcada pela competição, pela acumulação e pelo antropocentrismo. Num terceiro momento, a investigação faz emergir a os planos de vida para articula-los ao Bem Viver e ao Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo, para projetar uma compreensão das consequências e dos potenciais que pode significar a inclusão de valores jurídicos nesses mesmos planos de vida das comunidades indígenas, compondo tal arranjo social, político e jurídico um requisito para o avanço do diálogo intercultural, qualificando as possíveis e eventuais consultas comunitárias que podem ocorrer, tanto por decorrência da resolução 287/19 do CNJ, mas também para qualquer outra, principalmente por decorrência da Convenção 169, do OIT, e seus art. 6º, 1, a), e 15, 2. Frise-se que o modelo wolkmeriano oferece uma nova cultura jurídica estruturada em cinco fundamentos, divididos em duas classes, dois a) fundamentos de “efetividade material”, que incluem considerações sobre a emergência de novos sujeitos sociais, sejam eles individuais ou coletivos e a satisfação justa e imediata das necessidades humanas fundamentais, e; três b) fundamentos de “efetividade formal”, consubstanciados pela reordenação do espaço público mediante uma política democrático-comunitária descentralizadora e participativa; o desenvolvimento da ética concreta da alteridade e a construção de uma racionalidade emancipatória. Destarte, a perspectiva na qual se dá (se clama pela) a ampliação da inclusão de valores de ordem jurídica nos planos de vida decorre com naturalidade deste arranjo teórico concatenado pelos esforços investigativos, não sendo revelado pela pesquisa nenhum óbice, de nenhuma natureza, à esta prática. De tal forma que foi possível concluir que ao projetar a abertura posta pela Resolução do CNJ 287/2019 e sua demanda por uma dialeticidade sobre a natureza própria dos planos de vida, emergiu a possibilidade de estruturação de uma argumentação jurídica própria, autêntica e potencializadora da cosmopercepção indígena, de forma prévia, antecedendo qualquer urgência inerente à intrínseca demanda por celeridade processual, o que, por sua vez, possibilitaria um debate mais amplo e profundo sobre o resgate de uma juridicidade historicamente reprimida por séculos de colonialidade. Debate que coincide com a demanda wolkmeriana por uma reorganização espacial para a promoção de uma práxis política comunitária e necessariamente participativa, dando novas margens à democracia in loco, ao mesmo tempo em que inicia a trajetória comunitária na construção de uma racionalidade emancipadora, dessa forma ampliando a natureza jurídica das interpelações diatópicas promovidas hodiernamente pelos planos de vida. Ao fim, foi possível observar que no momento histórico atual a articulação entre Bem Viver e pluralismo jurídico, extrapolada teoricamente pela inclusão da juridicidade - emergente das cosmopercepções plurais das comunidades indígenas - nos planos de vida, pode significar num novo campo de pesquisa, justificado juridicamente (formalmente/instrumentalmente) pela oportunidade criada pelo CNJ e materialmente, à sociedade, como mais uma possibilidade de transformação da realidade em prol da visibilização das causas indígenas e principalmente da ampliação concreta da dignidade desses povos, argumentos que se mostram mais que relevantes para o adensamento das reflexões acadêmicas sobre a temática. Esta pesquisa parte de uma abordagem ana-dialética, de matriz dusseliana e, portanto, preocupada em pôr-se como instrumento de concreção das necessidades humanas, especialmente daqueles subalternizados nas relações socioeconômicas da periferia global, e foi desenvolvida por meio de uma pesquisa histórico-crítica, com investigação bibliográfica e documental.

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Publicado

2024-12-12