NECROPOLÍTICA NEOLIBERAL E DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
CRISE MIGRATÓRIA LATINOAMERICANA E PENSAMENTO DECOLONIAL
Resumo
Necropolítica; exploração; desigualdade; crises… Direitos Humanos. Estas palavras, embora não sejam as palavras-chave de um resumo de artigo, são palavras-chave que representam a história da América Latina nos últimos 500 anos, retratando uma política de morte apoiada na exploração, na corrupção sistêmica e na violenta exclusão social, gerando fortunas para uma oligarquia detentora dos meios de produção. E ainda que as condições socioeconômicas tenham variado com o tempo, pode-se dizer que a realidade estrutural latinoamericana permanece, essencialmente, inalterada: domínio dos latifúndios, exploração da mão de obra barata e uma cruel segregação de minorias étnicas, reforçando a relação exploração/lucro. Em um primeiro momento, tudo isso pode parecer muito óbvio ou natural - e é. Todavia, aquilo que é comum, muitas vezes, nos passa despercebido, e essa normalização do abuso estrutural é, talvez, uma das maiores formas de política de extermínio.
O século XX representou imensos avanços tecnológicos para a humanidade, pagos, contudo, a um preço alto: a vida (Hobsbawn, 2019, p.54-5). Assim, para frear a sistemática abusiva, a então recém-criada ONU[1], propôs a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948[2], na tentativa de criar um núcleo jurídico que oferecesse proteção aos sujeitos, deixando-os menos vulneráveis às arbitrariedades estatais e de outros indivíduos. Contudo, por volta da década de 1980, podemos observar a consolidação da política econômica neoliberal. E, nessa nova etapa, os interesses econômicos e suas ferramentas de manutenção se tornam formas de administração social, colocando o mundo capitalista em um novo patamar social, político e econômico - tanto em nível nacional quanto em internacional. Com isso, surgem novos contextos sociais, como a Nova Divisão Internacional do Trabalho, que vem consolidar a divisão entre Norte e Sul global[3]. A segunda metade do século XX, contudo, também observa movimentos de emancipação no Sul e a crescente introdução do pensamento decolonial como forma de contribuir para a redução do poder das potências mundiais.
Nesse sentido, considerando-se as novas relações interestatais e socioeconômicas entre Norte e Sul, o presente trabalho busca observar como a biopolítica, a necropolítica (Mbembe, 2018) e o estado de exceção (Agamben, 2004) presentes nos regimes democráticos modernos se interconectam com a ideia da proteção dos direitos humanos, enquanto teoria majoritariamente inspirada e fundamentada por valores de países desenvolvidos, com seu histórico de exploração e colonialismo global. Assim, uma vez se considerando a necropolítica como pilar do desenvolvimento econômico neoliberal (Almeida, 2021) e a perspectiva de que o estado de exceção se encontra fundamentalmente no seio das democracias modernas (Agamben, 2004), a prerrogativa estatal de decisão sobre a vida dos sujeitos - quem irá viver e quem irá morrer - se apresentaria diametralmente oposta à essência da teoria dos direitos humanos, expressa na DUDH, criados justamente para impedir a propagação de novas conjunturas de violência e opressão, com a limitação do poder estatal sobre os indivíduos. Contudo, é inegável que exatamente esses mecanismos de opressão compuseram uma grande parcela da política de expansão econômica ocidental, de forma que estão diretamente conectados à hegemonia das potências do Norte-global, desde os primórdios da expansão colonial.
Dado o panorama acima, a pesquisa é delimitada também pelo debate migratório na América Latina - problemática que vem ganhando diferentes contornos com a intensificação da exploração econômica e social do continente, dado o agravamento das crises financeiras mundiais. Tais condições de instabilidade social são fatores determinantes para as questões de mobilidade humana, pois grandes contingentes populacionais se deslocam de seus locais de origem - voluntária ou forçosamente - na busca por uma vida melhor (Hobsbawn, 2016). E, nesse contexto de populações desamparadas à procura de melhores condições, apresentam-se duas forças, a princípio totalmente opostas, que lutam pela primazia sobre o “objeto” em disputa - a vida humana: a necropolítica e a proteção aos direitos humanos.
Nesse jogo de poder, a necropolítica atua como mecanismo de apropriação desses sujeitos, mantendo-os ou inserindo-os em um sistema de exceção, na tentativa de assentar as bases da exploração de mão de obra geradora de lucro para o capital. Por sua vez, o direito internacional dos direitos humanos (ou DIDH)[4] procura garantir a esses sujeitos vulneráveis um núcleo mínimo de direitos - preceitos básicos, porém inalienáveis, pois em ligação direta com a condição de ser humano. Ao contrário da necropolítica neoliberal, que representa interesses individuais econômicos, o DIDH vem de um consenso da comunidade internacional (Shaw, 2017), de que é necessário o estabelecimento de normas protetivas para os sujeitos. Todavia, para que se efetive tal proteção, os Estados devem se comprometer com certas normas, bem como estar sujeitos a pressões exercidas pela sociedade internacional, a fim de manter seu comprometimento. A problemática, contudo, é que a exploração da vida humana tem se mostrado muito lucrativa para grandes potências mundiais e grandes empresas, sendo que estas ainda têm a vantagem de não estarem diretamente obrigadas às normas de direito internacional. Ou seja, sua atuação não está - ainda - legalmente vinculada à obediência aos direitos humanos (Shaw, 2017).
A temática migratória não é, por si só, um tema novo ou pouco estudado, uma vez que o deslocamento humano é algo comum, ocorrendo desde os primórdios da história. Contudo, o passar do tempo e as novas formas de vida adotadas em sociedade trouxeram novas conotações ao tema. Sendo assim, hoje observamos migrações por questões políticas, baixa qualidade de vida, falta de oportunidades, violência, questões climáticas e outras, sendo estimado que o número de migrantes[5] encontra-se por volta de 3,6% da população mundial (OIM, 2022). Considerando o último Relatório de Desenvolvimento Humano de 2021/22, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, tem-se, entre diversos problemas, a diminuição do Índice de Desenvolvimento Humano mundial por dois anos consecutivos, a escalada da polarização política, bem como o aumento da sensação de insegurança por parte da maioria dos países (PNUD, 2022). Dessa forma, nota-se que o contexto político-econômico vem se transformando, acompanhado da intensificação de conflitos e a crescente escassez de recursos fundamentais em todo o globo, cenários muito interligados à questão migratória.
Sendo assim, partindo-se do contexto da crise migratória latino-americana nos últimos dez anos, pode-se dizer que as populações migrantes se encontram amparadas pelo direito internacional dos direitos humanos, ou este acaba sendo sobreposto por interesses econômicos dominantes, materializados em necropolíticas?
Assim, o objetivo geral do presente trabalho é a ponderação sobre os limites do direito e política internacionais, bem como da soberania. Para tanto, apresento aqui como objetivos específicos a análise da necropolítica como pilar do colonialismo ainda presente sobre a América Latina, partindo de uma perspectiva decolonial (Quijano, 2005, s/p.), bem como o debate sobre a hipótese de que o DIDH, apesar de sua inegável contribuição para a humanidade, pode se constituir como outra face da necropolítica, perpetuando valores neoliberais.
A hipótese que se pretende levantar é de que a necropolítica se acentua com a movimentação dos imigrantes para os espaços dominantes, na tentativa de parar esse fluxo. Assim, apesar do DIDH apresentar-se como uma barreira de proteção aos sujeitos vulneráveis, este intervém apenas até certo ponto, pois, em parte, se mostra como uma outra face do domínio socioeconômico do Ocidente, atuando também na consolidação dessa supremacia e, com isso, deixando os migrantes em situação ainda maior de vulnerabilidade - sem qualquer apoio institucional.
Será empregada a metodologia de pesquisa bibliográfica, uma vez que o aporte teórico se faz necessário ao desenvolvimento das teorias e à compreensão dos marcos teóricos, bem como à garantia da reflexão sobre os conceitos postos e eventuais críticas aos mesmos. E, ultrapassado esse primeiro ponto, se fará necessária, ainda, a coleta de dados - realizada por meio de levantamentos prévios em documentos oficiais, principalmente de Organizações Internacionais e Agências Governamentais, com fins de trazer respaldo para as propostas teóricas.
Por fim, busco como resultado demonstrar a necessidade de uma abordagem decolonial dos direitos humanos, a fim de tentar minimizar sua faceta colonialista neoliberal, possibilitando, de fato, a suposta universalidade tão valorizada no campo, que todavia reflete práticas de uma parcela pequena e elitizada do globo.
[1] Sigla de abreviação de “Organização das Nações Unidas”.
[2] A sigla correspondente, que será usada ao longo do texto para se referir a esta Declaração é “DUDH”.
[3] A divisão aqui mencionada não se refere a critérios geográficos, mas econômicos. Os países do norte são os mais ricos, possuindo economias mais sólidas. Enquanto isso, os países do Sul são os países em desenvolvimento; o Terceiro Mundo. (CADTM, 2020, s/p).
[4] Sigla que significa Direito Internacional dos Direitos Humanos.
[5] Cabe ressaltar que há uma diferenciação entre migrantes, quando o deslocamento é voluntário e refugiados, quando o indivíduo é, de alguma forma, forçado a deixar seu território contra sua vontade. Contudo, dadas as limitações deste pré-projeto, essa diferenciação não será feita, sendo “migrantes” o termo usado para todos os sujeitos em movimento. OIM, s/p. Disponível em: <https://www.iom.int/about-migration> Acesso em: 15 jun. 2024.
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