O EFEITO BACKLASH EM BROWN V. BOARD OF EDUCATION E O DIÁLOGO COM DIREITOS HUMANOS E PLURALISMO JURÍDICO
Resumo
O presente trabalho possui como tema o efeito backlash no histórico precedente norte-americano de Brown v. Board of Education, direitos humanos e pluralismo jurídico. Assim, a pesquisa busca analisar os conceitos estudados e dialogar com os direitos humanos e o pluralismo jurídico, a partir da contextualização histórica e reverberações sociais provocadas desse precedente nos Estados Unidos da década de 1950. Dessa forma, o trabalho será desenvolvido por meio do método dedutivo, procedimento histórico, através de uma pesquisa bibliográfica-documental, a fim de definir os conceitos apresentados e correlacioná-los ao final.
As pesquisas envolvendo o fenômeno backlash necessitam inicialmente de um aporte teórico do seu conceito, ainda que o objetivo deste estudo não seja aprofundar o efeito em si. Esse é um termo norte-americano caracterizado por uma reação ideológica e social contra polêmicas decisões judiciais, as quais são essencialmente controversas ou que afrontem interesses hegemônicos e provocam grande resistência da sociedade. Salienta-se que não se confunde apenas com uma opinião pública contrária por si só, mas vai além, ao servir de gatilho para a evolução de uma série de boicotes sociais à decisão, os quais possuem diferentes níveis de interferência na sociedade (Fonteles, 2019; Klarman, 2011; Marmelstein, 2016).
Assim, o precedente de Brown v. Board of Education, datado do ano de 1954, é um marco do controle de constitucionalidade dos Estados Unidos por decretar a inconstitucionalidade da segregação racial no país. Com a presidência de Earl Warren na Suprema Corte dos EUA em 1953, houve uma mudança de pensamento sobre a segregação racial dos cidadãos norte-americanos ao julgar o caso de Brown v. Board of Education. Nele se discutiu a inconstitucionalidade da segregação de estudantes negros e brancos no sistema educacional do Sul dos Estados Unidos, sendo declarada a prática, por unanimidade, inconstitucional, e superando o precedente anterior de Plessy v. Ferguson (Fonteles, 2019; Moro, 2001).
Moro (2001, p. 342) chama atenção para a abrangência desse julgado, através do papel ativista exercido pela Corte no caso concreto: “É oportuno destacar que a Corte não se limitou a reconhecer o direito de os demandantes ingressarem em escolas reservadas a brancos. Tinham eles direito a escolas em regimes integrados, o que implicava na adoção de larga política pública de dessegragação [...]”. Em síntese, a Corte se utilizou de um raciocínio extensivo e, aparentemente, progressista/reacionário, não se atentando, contudo, aos efeitos de tal posição (Fonteles, 2019).
Diante de tal análise, percebe-se que as lutas sociais por direitos fundamentais, muitas vezes embasados nas reivindicações de grupos desamparados, detêm o poder de chegarem até a apreciação da Corte Constitucional de um país, promoverem e alavancarem o discurso das minorias, mas também podem ser um fator limitante aos próprios grupos reivindicadores, na hipótese de se verificar o efeito backlash (Fonteles, 2019).
Dessa maneira, o capítulo seguinte tem como objetivo criar um diálogo do precedente norte-americano analisado com os conceitos essenciais de direitos humanos e, em certa medida, verificar se as ideias promovidas pelo pluralismo jurídico poderiam impedir a ocorrência do fenômeno backlash.
Os conflitos, forças e lutas sociais de determinado contexto histórico são capazes de gerar comoção social e, inclusive, dar forma a uma nova constituição. Essa Carta Magna, consequentemente, absorve o pensamento da sociedade organizada, a qual incorpora tradições, costumes e práticas daquela coletividade (Wolkmer, 1989). Por sua vez, o fenômeno backlash evidencia os reflexos de determinadas reações advindas da luta social de minorias por direitos fundamentais, os quais nada mais são do que os próprios direitos humanos instrumentalizados.
No caso prático, o precedente de Brown v. Board of Education representa um recorte de reinvindicações sociais promovidas pelos negros norte-americanos na década de 1950, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação (direitos humanos) e, em paralelo, permite observar na prática a ocorrência do fenômeno backlash.
A decisão atuou como um catalisador para mais mudanças legais e sociais nos Estados Unidos, incluindo o movimento e a subsequente legislação sobre direitos civis. Isso demonstra como uma decisão jurídica pode ter efeitos ondulatórios em vários sistemas legais e normativos dentro de uma sociedade, promovendo o reconhecimento e a proteção dos direitos humanos em um contexto mais amplo.
Para Herrera Flores (2009), por exemplo, a ideia de dignidade da pessoa humana se baseia na atitude, que envolve a disposição para realizar algo, e na aptidão, a fim de adquirir poder e capacidade suficientes para concretizar reinvindicações. Logo entende que a partir disso é possível criar caminhos para aqueles que se recusam a aceitar as ordens hegemônicas e desejam confrontar as ideologias enganosas que restringem a capacidade cultural da sociedade de propor alternativas.
Por sua vez, o pluralismo jurídico enfatiza a existência e interação de um sistema legal multifatorial que, por sua complexidade, não busca se enquadrar em uma conceituação fechada. Embora seja visualizado por perspectivas jusfilosóficas, sociológicas, antropológicas, e jurídicas multidisciplinares, é certo que seus teóricos compartilham do entendimento de que o Direito não é resultado único e exclusivo do Estado (Wolkmer, 2015).
A partir disso, também se mostra essencial para desenvolvimento do estudo proposto os conceitos trabalhados por Boaventura de Souza Santos (1987). Para o autor a pluralidade está em estruturas diversas do Direito, como o Direito doméstico, Direito da produção, Direito sistêmico e, principalmente, o Direito da comunidade, caracterizado em especial pelos espaços ocupados por grupos oprimidos.
Denota-se que as vantagens do pluralismo jurídico, tendo em vista sua roupagem multifacetada, como, entre outras, são manter o equilíbrio entre grupos, propiciar especificidade e independência das instituições, bem como descentralizar questões jurídicas (Wolkmer, 2015, p. 222).
Assim, o sistema proposto pelo pluralismo jurídico, se aplicado com equilíbrio em questões polêmicas como em Brown v. Board of Education, poderia mitigar os impactos das reações observadas no fenômeno backlash. Isso porque o modelo de unicidade do Direito, criticado pelos teóricos do pluralismo, tem se mostrado ineficiente ao lidar com casos semelhantes por décadas, visto que não proporciona um diálogo multifacetado de temas que provocam grande repercussão social e lidam com os direitos fundamentais de grupos minoritários.
Depreende-se da pesquisa que, através do entendimento dos conceitos apresentados, o precedente norte-americano de Brown v. Board of Education representa um importante recorte histórico para compreensão do fenômeno backlash e, ao mesmo tempo, proporciona um diálogo com a temática dos direitos humanos, reivindicados pelos negros norte-americanos na década de 1950, e com as ideais do pluralismo jurídico.
O desenvolvimento do estudo demonstrou que uma decisão jurídica pode ter efeitos ondulatórios em vários sistemas legais e normativos dentro de uma sociedade, promovendo o reconhecimento e a proteção dos direitos humanos em um contexto mais amplo. Por outro lado, os resistentes usam toda a variedade de práticas e métodos para oprimir esses movimentos de mudança – ocasionando o backlash.
Por fim, observou-se que o modelo de unicidade do Direito, criticado pelos estudiosos do pluralismo, tem se mostrado ineficiente ao lidar com casos semelhantes por décadas, visto que não proporciona um diálogo multifacetado de temas que provocam grande repercussão social, uma vez que o pluralismo jurídico poderá ser uma alternativa de resolução para as consequências do fenômeno backlash.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Declaro (amos) que a pesquisa descrita no manuscrito submetido está sob nossa responsabilidade quanto ao conteúdo e originalidade, além de não utilização de softwares de elaboração automática de artigos. Concordamos ainda com a transferência de direitos autorais a Revista de Extensão da Unesc.
Na qualidade de titular dos direitos autorais relativos à obra acima descrita, o autor, com fundamento no artigo 29 da Lei n. 9.610/1998, autoriza a UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense, a disponibilizar gratuitamente sua obra, sem ressarcimento de direitos autorais, para fins de leitura, impressão e/ou download pela internet, a título de divulgação da produção científica gerada pela UNESC, nas seguintes modalidades: a) disponibilização impressa no acervo da Biblioteca Prof. Eurico Back; b) disponibilização em meio eletrônico, em banco de dados na rede mundial de computadores, em formato especificado (PDF); c) Disponibilização pelo Programa de Comutação Bibliográfica – Comut, do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia.
O AUTOR declara que a obra, com exceção das citações diretas e indiretas claramente indicadas e referenciadas, é de sua exclusiva autoria, portanto, não consiste em plágio. Declara-se consciente de que a utilização de material de terceiros incluindo uso de paráfrase sem a devida indicação das fontes será considerado plágio, implicando nas sanções cabíveis à espécie, ficando desde logo a FUCRI/UNESC isenta de qualquer responsabilidade.
O AUTOR assume ampla e total responsabilidade civil, penal, administrativa, judicial ou extrajudicial quanto ao conteúdo, citações, referências e outros elementos que fazem parte da obra.