A MULHER E O SER COMO MASCULINO

A LOCALIZAÇÃO DAS MULHERES NO CONCEITO DE SUJEITO DE DIREITO

Autores

  • Isabella Garbelini Garbelini
  • Crishna Mirella de Andrade Correa

Resumo

A noção de sujeito, amplamente disseminada na contemporaneidade, não é inerente à condição humana, visto que o conceito não esteve presente em todas as formações sociais, portanto caracteriza-se como uma construção histórico-cultural contemporânea (Jappe, 2021). Esse conceito de identidade, muitas vezes visto como algo natural ou inerente, revela-se, na verdade, uma categoria marginalizou aqueles que não se encaixavam nessa definição, excluindo-os do processo político, econômico e social (Haraway, 2004). Com base nessa perspectiva, a teórica feminista Judith Butler (2013) argumenta que a categoria de sujeito foi construída como uma forma excludente em relação às mulheres, que tiveram de organizar sua luta voltada à busca deste reconhecimento. Assim, o presente estudo busca compreender o papel do sujeito, enquanto forma pautada no homem, no processo de exclusão das mulheres, bem como propor uma crítica à categorização restrita dos seres, a partir do pensamento de Butler (2013), como modo excludente e desmobilizador da luta feminista.

A redução de todos os seres humanos na categoria sujeito não é, como muito aparente, algo natural, mas uma característica essencialmente contemporânea que coincide com o surgimento do Estado Moderno e da disseminação de uma forma jurídica generalizada (Jappe, 2021). Além disso, a forma-sujeito não se confunde com o ser, este se porta socialmente enquanto sujeito, mas não se confunde com ele, portando, “o sujeito não é uma invariante antropológica, mas uma construção cultural, resultado de um processo histórico. Sua existência, contudo, é bem real” (Jappe, 2021, p. 37).

Nesse sentido, afirma Donna Hawaray:

 

O estado adequado de uma pessoa ocidental é o de ter comando do ser, de ter e manter uma identidade centrada, como se fosse uma posse (...) identidade de gênero é uma posse deste tipo. Não ter a propriedade do eu é não ser sujeito e, portanto, não ter capacidade de atuação (2004, p. 220).

 

O desenvolvimento social e histórico do sujeito, enquanto portador de direitos e dono de si, possui como figura central o homem, mais especificamente o homem branco ocidental e, por isso, “para o sujeito masculino, o não sujeito principal, o mais próximo, sempre foi a mulher. A forma-sujeito é de origem masculina, formou–se a partir do modelo da relação hierárquica (...)” (Jappe, 2021, p. 64).

Ao analisar a relação entre a forma-sujeito e a mulher, Judith Butler (2013) afirma que a o sujeito se constituiu como uma categoria excludente, que passa por algo natural, gerando diferenças que parecem eternas e imutáveis. Butler afirma a importância de questionar “que estruturas sistemáticas de privação de poder tornam impossível para certas partes injuriadas invocarem o ‘eu’ efetivamente dentro de um corte de justiça” (Butler, 2013, p. 23). Diante disso, os movimentos sociais feministas passaram, com o tempo, a reivindicar a condição da mulher enquanto sujeito (Lisboa; Zucco, 2022), buscando o reconhecimento de seus direitos e a sua inclusão na categoria como, por exemplo, o direito ao voto – o reconhecimento de seus direitos políticos, a proteção da integridade física da mulher com a Lei Maria da Penha, dentre outros. Mesmo com o avanço legislativos nos últimos anos, enquanto os direitos da autodeterminação do corpo, a participação em lugares de poder e relevância e a condição enquanto sujeito dos homens são inquestionáveis, a da mulher ainda é frequentemente questionada, passando por avanços e retrocessos cíclicos (Butler, 2013).

Para além disso, o próprio termo mulher, enquanto categoria que busca o reconhecimento dentro da própria categoria de sujeito, pode ser altamente excludente. Isso porque, mesmo com avanços, a diversidade pode ser excluída pela forma-mulher, gerando minorias dentro do próprio grupo minoritário, como no caso de mulheres negras e transsexuais quando comparadas ao tratamento recebido por mulheres cis e brancas. Exemplo disso é que, somente em 2022, dezesseis anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, o STJ reconheceu que a norma era aplicável para mulheres trans (Supremo Tribunal de Justiça, 2023).  Entretanto, mesmo diante do processo de exclusão presente na categorização de um grupo, Butler afirma que o conceito mulher é fundamental para a identificação e a unificação da luta feminista, porém, que o conceito não deve partir de uma universalidade e de uma padronização do que seria a mulher, mas deve ser um conceito inclusivo que permita abranger e incluir o máximo, ou seja:

 

Desconstruir o sujeito do feminismo não é, portanto, censurar sua utilização, mas, ao contrário, liberar o termo num futuro de múltiplas significações e emancipá-lo das ontologias maternais ou racistas às quais esteve restrito e fazer dele um lugar onde significados não antecipados podem emergir (Butler, 2013, p. 25).

 

A forma-sujeito, enquanto um sujeito de direito, portador de direitos fundamentais e inalienáveis, partiu e ficou centrada no homem branco e ocidental, gerando exclusões de outros seres, como a mulher. O grupo identificando enquanto mulher, então, teve de passar por um longo processo histórico e social de luta e reivindicação para conquistar a sua posição enquanto sujeito de direito, porém, as raízes históricas que possui o homem enquanto padrão ainda persistem, tornando os direitos das mulheres de certo modo instáveis. Para além disso, a luta das mulheres ainda não é unificado, diante de diferenças estruturais presentes na realidade, que formam também um conceito excludente dentro do próprio grupo minoritário.

Contudo, a partir dos escritos de Judith Butler, podemos vislumbrar a necessidade de questionar a forma-sujeito enquanto algo dado e natural, propondo uma crítica de visões biológicas e racistas da forma-mulher e também visões que propõem uma divisão biológica, natural, eterna e imutável da divisão construída entre homens e mulheres.

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Publicado

2024-12-12