O INSTITUTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL COMO FERRAMENTA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E COMO FATOR CONTRIBUTIVO DO AVANÇO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Autores

  • Thiago Firmino Silvano

Resumo

O processo só é evoluído se evoluído for o ordenamento jurídico. O prestígio do sistema normativo depende da qualidade de seu mecanismo processual, com a satisfação efetiva das relações (THEODORO JÚNIOR, 2006) e dos conflitos sociais. À luz disso, em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução n. 181 e foi o primeiro a estabelecer o instituto do acordo de não persecução penal no sistema de justiça brasileiro, pensado a oferecer alternativas no Processo Penal que refletissem em celeridade e resolutividade a casos menos graves. A contrariedade que motivou a sua concepção concentrou-se à “carga desumana de processos que se acumulam nas varas criminais do País e que tanto desperdício de recursos, prejuízo e atraso causam no oferecimento de Justiça” (CNMP, 2017). Tal iniciativa foi inspirada pela adoção do instituto da justiça restaurativa – em 2012 pela Organização das Nações Unidas com a Resolução n. 2002 e em 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça com a Resolução n. 225 – como instrumento para transformação de conflito a partir da disposição colaborativa das partes. Posteriormente, no final de 2019, o Congresso Nacional editou a Lei n. 13.964, cujo projeto de lei, encaminhado pelo Poder Executivo, evocava na exposição dos motivos que essa criação legislativa pretendia dar agilidade ao Processo Penal e buscar “a existência de um Estado que seja, a um só tempo, eficiente e respeite a garantia constitucional do devido processo penal”. (BRASIL, 2019). Diante do cenário, emerge a problemática: como o instituto do acordo de não persecução penal contribui para a solução de conflitos e como impacta na promoção da justiça restaurativa? Com o fim de abordar a questão, objetiva-se apontar de que modo atua o acordo de não persecução penal na solução dos conflitos sociais e no desenvolvimento do acesso à justiça. Também objetiva identificar a aproximação do instituto à justiça restaurativa e como contribui para sua integração ao sistema jurídico brasileiro. No transcorrer da pesquisa, faz-se uso de técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Como resultados preliminares, tem-se que o acordo de não persecução penal originou-se na busca de novos mecanismos processuais capazes de dar devida celeridade a casos menos graves, porém, mesmo após anos de sua implementação, o seu resultado não revelou um impacto sustentado, persistente. Contudo, além de o acordo de não persecução penal permitir o desenvolvimento de uma nova abordagem dos conflitos, viabiliza o avanço no sistema jurídico brasileiro, ainda que de maneira incipiente, da justiça restaurativa. O instituto da justiça restaurativa, como instrumento de transformação social, pretende a estruturação da melhor solução para a harmonização do caso, não tem o seu enfoque no passado, no crime cometido, mas no futuro, com vistas a transformar a sociedade a partir da reconstrução dos laços rompidos com a prática do crime (MENDONÇA; CAMARGO; RONCADA, 2020). O acordo de não persecução penal consiste em um negócio jurídico processual vocacionado a evitar o início do processo penal, em que o Ministério Público e o investigado convencionam condições para obstar a atividade persecutória-punitiva do Estado. Se por um lado o investigado não admite sua culpa, embora exigida a confissão formal, por outro não apresentará qualquer resistência à imputação e nem afirmará sua inocência. Por tratar-se de negócio jurídico, não pode ser imposto por uma parte como se contrato de adesão fosse, mas sim estabelecido a partir de cedências recíprocas, e nem pode ser impelido pelo Poder Judiciário, não se permitindo suprir-se a discordância por decisão judicial (MENDONÇA; CAMARGO; RONCADA, 2020). O acordo de não persecução penal distingue-se dos demais institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, não apenas por abranger crimes mais graves, mas também por necessitar da confissão formal para sua aplicação (CORREIA, 2023). A criação do instituto pretendeu atender as preocupações constitucionais de garantir o processo em prazo razoável, com a solução mais ágil dos casos a partir de uma justiça penal consensual. Trata-se de verdadeiro instrumento de política criminal, que almeja ser capaz de interromper o secular modelo processual rígido e demandista (CAPEZ, 2024). Aliás, o acordo de não persecução penal busca oferecer meios à concretização da justiça restaurativa, cujo movimento busca a ampliação de acesso à justiça criminal com o objetivo de restaurar as relações sociais por meio da solução participativa dos conflitos (ALMEIDA; PINHEIRO, 2017). Entretanto, em contraponto ao objetivo primordial da criação do instituto, observou-se crescimento no número de processos no sistema de justiça brasileiro. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, registrou-se variação positiva, em 2023, de 6,7%, que correspondeu à maior quantidade de casos novos criminais nos últimos dez anos (CNJ, 2024). Ainda assim, o acordo de não persecução penal surge como alternativa à solução célere dos litígios na esfera penal. Na tentativa de concretizar os princípios do acesso à justiça e da duração razoável do processo, o acordo de não persecução objetiva a redução do volume de processos e, consequentemente, a racionalização dos recursos. O seu objetivo vai além, pretende constituir-se um método efetivo de resolução de conflitos, por meio da voluntariedade e da consensualidade. Com isso, abre-se caminho para promover-se a justiça restaurativa, diante dos incentivos à cooperação. Ainda que haja diferenças significativas com a justiça restaurativa, o acordo de não persecução penal, por vislumbrar a construção de tratamento concreto e consensual, aproxima-se a esse novo modelo de aplicação de justiça (MENDONÇA; CAMARGO; RONCADA, 2020). Tanto que se aprovou, no mês de agosto de 2020, na I Jornada de Direito e Processo Penal, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, o Enunciado n. 28, que orienta a aproximação desses institutos: “Recomenda-se a realização de práticas restaurativas nos acordos de não persecução penal, observada a principiologia das Resoluções n. 225 do CNJ e 118/2014 do CNMP” (CJF, 2020). A reflexão aqui proposta, portanto, revela-se fundamental para o enfrentamento ao atual modelo processual punitivista, com o debate acerca do aperfeiçoamento de institutos que contribuem com o equilíbrio social por meio de uma nova abordagem dos conflitos.

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Publicado

2024-12-12