ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
QUAIS AS ADEQUAÇÕES NECESSÁRIAS À CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM?
Resumo
É de conhecimento comum que normalmente a via escolhida e idealizada para resolução de conflitos é a judicial. Apesar disso, o cerne da justiça multiportas não é reduzir a quantidade de casos judicializados e sim possibilitar uma solução mais adequada aos conflitos. Dessa forma, as opções que anteriormente eram definidas como meios “alternativos” de soluções de conflitos, como é o caso da mediação, conciliação e da arbitragem, atualmente são chamados de meios “adequados” para resolução de conflitos. Ao adotá-los, não se objetiva reduzir a litigiosidade ou responder à alta demanda judicial, mas sim, atingir a finalidade de adequar a melhor opção de resolução de conflitos para as partes, a fim de não apenas julgar o caso e sim alcançar uma solução adequada e satisfatória.
Nesse viés, a necessidade de uma Administração Pública eficiente, gerencial, dialógica e democrática tem aberto espaço para a adoção de meios adequados à solução de conflitos para gerir as situações de disputas que envolvem entes do Poder Público. Na lição de Di Pietro (1933), com a ascensão da Administração Pública do Estado Democrático de Direito, surge a importância da valorização e da efetiva participação popular, aproximando o particular da Administração e diminuindo a distância entre Estado e sociedade.
O problema de pesquisa que norteia esta pesquisa é: quais os pressupostos para a celebração de convenção de arbitragem na resolução de conflitos envolvendo a Administração Pública? Trata-se de pesquisa exploratória e dedutiva, realizada mediante levantamento bibliográfico e documental, com o apoio na legislação vigente (Constituição Federal e a Lei de Arbitragem) e a literatura, por meio de artigos científicos, sobre a utilização da arbitragem no Brasil. Os resultados encontrados podem ser seccionados em três etapas, a partir das quais se desenham os objetivos específicos da pesquisa, quais sejam: a) analisar se o regime de (in)disponibilidade de bens públicos obsta a resolução de conflito de arbitragem; b) investigar se a confidencialidade, aplicável à arbitragem, macula a publicidade, princípio exigido constitucionalmente às questões que envolvem a Administração Pública e; c) perscrutar a legalidade, princípio também exigido no texto constitucional nas questões referentes a Administração Pública, que deve ser observada para celebração de convenção de arbitragem por entes públicos.
A legislação brasileira autoriza que entes públicos celebrem convenção de arbitragem a fim de optar, por livre e espontânea vontade, a submissão de seus conflitos à resolução por este meio (Martins, 2023). A experiência da prática e autorização jurisprudencial calharam em alterações na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) incluídas em 2015 pela Lei 13.129. Nesse sentido, faz-se mister compreender o funcionamento da arbitragem, como importante instrumento na resolução consensual de conflitos.
A arbitragem é um meio heterocompositivo de resolução de conflitos, isto é, cuja solução será imposta por um terceiro imparcial às partes em litígio, distinguindo-se da decisão judicial pelo fato de o (s) decisor (es) não serem agentes públicos dotados de jurisdição pública, como são os magistrados. No entanto, os efeitos dessa decisão - a sentença arbitral - são os mesmos da judicial, não sendo necessária a homologação por um juiz para tal.
Nos termos do art. 1º da Lei de Arbitragem, esta deve ser utilizada para dirimir conflitos litigiosos referentes a direitos patrimoniais disponíveis. Na lição de Eduardo Damião Gonçalves (2023), a arbitrabilidade seria a possibilidade de um litígio ser solucionado por meio da arbitragem e como abordado acima, esta possibilidade se mostra através do preenchimento de dois requisitos: ser agente capaz de configurar como parte de contratar (arbitrabilidade subjetiva) e a disposição sobre direito patrimonial, como (arbitrabilidade objetiva).
Apesar da decisão do árbitro ser imposta, em caráter cogente às partes, sua formação exige consenso entre elas. Exige-se, para tanto, a celebração de uma convenção de arbitragem, que pode se dar de duas formas: cláusula compromissória ou compromisso arbitral. Na primeira, as partes se comprometem a submeter eventual controvérsia que venha a surgir a existir no decurso de sua relação jurídica a um juízo arbitral (art. 4º, Lei de Arbitragem), enquanto na segunda já existe a controvérsia e as partes decidem submeter sua resolução à arbitragem (art. 9º, Lei de Arbitragem).
Com relação aos parâmetros para o julgamento arbitral, há uma maior flexibilidade nesse sentido, sendo por isso, uma ferramenta mais maleável e célere, tornando-a, se bem manejada, bastante eficaz. Assim, a estipulação dos critérios para realização do procedimento é realizada pelas partes, podendo ser ela de direito ou por equidade e, no primeiro caso, não se proíbe a escolha de um regramento estrangeiro a ser aplicado ao caso.
Neste viés, a possibilidade de utilização da arbitragem em questões com o Poder Público já é admitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), através do Agravo de Instrumento nº 52.181, devendo-se, entretanto, adequar sua aplicação a alguns parâmetros fundamentais da administração pública, inclusive de caráter constitucional. Nesse diapasão, cumpre repisar os princípios constitucionais regentes da Administração Pública, dispostos no caput do art. 37 de nossa Carta Magna: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A fim de preservar o princípio da publicidade, o procedimento da arbitragem envolvendo a administração pública não se dará de modo confidencial – o que normalmente ocorre nas arbitragens convencionais. De tal forma que, haverá a possibilidade da obtenção de informações e que devem ser requeridas diretamente à Administração e não ao tribunal arbitral ou ambiente em que esteja ocorrendo o procedimento arbitral.
Outro princípio constitucional que demanda limitações à livre instituição dos critérios para a convenção de arbitragem é o da legalidade. Por sua incidência às questões que envolvem a Administração Pública, o procedimento arbitral deve ser regido por arbitragem de direito.
Nesse sentido, previu-se no art. 2º, §3º, da Lei de Arbitragem que “a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”.
Por fim, retomando a questão da arbitrabilidade objetiva, isto é, a exigência de que a arbitragem se trate de “direitos patrimoniais disponíveis”, cumpre destacar que nem toda questão que envolve a Administração Pública diz respeito a direito indisponível. Nessa linha de raciocínio, interesses coletivos relativos a políticas públicas ou direitos sociais não são cabíveis de discussão na arbitragem, por exemplo (Teixeira; Maia, 2023, p. 156). No entanto, quando o Poder Público atuar inserido numa relação de Direito Privado, figurando na relação jurídica sem o exercício de sua autoridade pública, será possível (Cunha, 2020, p. 149). É o exemplo de quando a Administração Pública firma um contrato para alugar bem imóvel de um particular.
Observadas as limitações e adequações descritas, é possível e faz-se necessário a implementação de meios adequados de soluções de conflitos no ambiente administrativo, a fim de consolidar a justiça multiportas também aos conflitos que envolvem a Administração Pública, que não deve necessariamente centralizar sua execução e funções em uma seara judicial, mas buscar as formas mais adequadas de resolução de conflitos, considerando a satisfação das partes e a solução eficaz e eficiente do conflito em questão.
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