CRÍTICA À INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO NOVAS PERSPECTIVAS A PARTIR DE UMA TEORIA PROCESSUAL COM ENFOQUE NOS DIREITOS HUMANOS

NOVAS PERSPECTIVAS A PARTIR DE UMA TEORIA PROCESSUAL COM ENFOQUE NOS DIREITOS HUMANOS

Autores

  • Walmor Henrique Apolinário Fabris

Resumo

O presente resumo expandido busca apresentar uma breve proposta crítica a instrumentalidade do processo. O processo foi alçado à ciência e ramo autônomo do direito ainda no século XIX, desligando-se do sincretismo e do estudo focado no direito de ação, uma reflexão herdada do direito romano. Essa separação gerou a primeira fase metodológica do processo, chamada de “formalismo”, os juristas em geral destinaram seus estudos para o processo e os procedimentos em si, focando sua atenção à forma autônoma que pensavam o processo necessitar, tentavam fortemente estabelecer uma autonomia completa, preocupando-se com os atos, suas manifestações, validades etc., o que por vezes gerou debates estéreis que obstaculizaram o direito material. Diante dessa realidade formalista e abstrata, surge um movimento pragmático que sob o argumento de eliminar injustiças direciona o pêndulo ao lado totalmente oposto, tornando o processo amórfico, nasce então à fase instrumentalista e o processo passa a ser mero instrumento da jurisdição para realização do direito material. Tal percepção foi muito difundida ao longo de décadas e continua hegemonicamente como verdade entre os juristas. Dessas fases é que são extraídos os três elementos de estudo da teoria geral do processo: I. jurisdição; II. ação; e, III. processo. Contudo, em razão do positivismo a teoria da instrumentalidade do processo assenta sua base em apenas um desses pilares que é a jurisdição, assim há um empoderamento do Estado-Juiz para aplicação quase que direta do direito material, adaptando a forma ao que o direito material desejar, desse modo vale-tudo para que os fatos se adequem ao direito material pré-existente, evidente, portanto, o pragmatismo e o traço do positivismo jurídico. Um dos maiores defensores dessa teoria no Brasil, Candido Rangel Dinarmaco, em sua obra “A instrumentalidade do processo” assim dispõe: “é natural que o instrumento se altere e adapte às mutantes necessidades funcionais decorrentes da variação dos objetivos substanciais a perseguir”. Além disso, o enfoque na jurisdição também gerou o descontrole da atividade jurisdicional e arbítrio das decisões judiciais, silenciando assim as partes e impedindo a construção de uma decisão judicial pelos próprios envolvidos no processo. Por essas razões importa fazer a presente crítica e seguir em um estudo que desmascare as estruturas de poder dominantes, o que se faz a partir da teoria do processo enquanto procedimento em contraditório, que caracteriza o processo como um procedimento, entretanto com uma característica que o torna processo, qual seja, o contraditório. Assim em razão de sua estrutura dialética, essa teoria fornece elementos capazes de emancipar os sujeitos do processo para que em contínua interlocução cheguem à decisão final como um resultado construído em coparticipação a partir do local e das falas de cada envolvido nos atos processuais. Evitando-se assim o arbítrio do julgador e a aplicação de uma fórmula pré-produzida (mera atribuição do direito material pré-existente) e o empoderamento individualista no Estado-Juiz gerado pelo foco exclusivo na jurisdição. É imprescindível que se pesquise teorias processuais, ainda que em dissenso, que forneçam elementos capazes de superar a hegemonia da teoria da instrumentalidade do processo, e assim estabelecer novos paradigmas que rompam com as estruturas de manifestação de poder dominantes. Logo, firmando possíveis alternativas de desconcentração dos poderes do Estado-Juiz e de democratização das decisões judiciais, o que se pode fazer a partir de teorias processuais críticas que coloquem os direitos humanos como centro da busca pela solução do conflito. Posto dessa forma resta evidente que o objeto de estudo do direito processual enquanto crítica à instrumentalidade é, a bem da verdade, a manifestação do poder do Estado-Juiz e o traço positivista desta teoria. Entretanto, este não tem sido, majoritariamente, o objeto de estudo dos processualistas. A doutrina processual hegemonicamente se repete focando apenas nos elementos das fases metodológicas, como “ação”, “processo” e “jurisdição” deixando de lado o caráter de manifestação de poder estatal, evidente já que sendo o processo instrumento é, portanto, ciência e deve focar no resultado que irá produzir, isso é, aplicação do direito material ao caso em tela. Essa manifestação “científica” do processo, reduz o estudo do direito processual para categorias abstratas, induzindo ao engano de que se estuda “técnica”, ignorando todo o plano de fundo existente. Assim, ao focar nas abstrações das categorias cria-se um fator de divisão entre “técnicos” e “não-técnicos” pois estabelecida uma divisão o processo deixa de ser manifestação do povo para o povo, como também deixa de ser uma simples forma de solução de conflitos e passa a ser técnica, isto é, uma ciência reservada à poucos capazes de aplicar os textos “sagrados” da lei. Tal dissociação entre o produto social (forma de solução de conflito) e o “produto técnico” (processo enquanto ciência) não é mera coincidência, pois assim mascara-se a relação de poder estatal que sujeita as partes em litígio a ideologia dominante (pré-disposta no direito material), perpetuando assim as relações de poder. Essa dissociação feita é necessária para o sucesso da instrumentalidade e é fruto da perspectiva do processo enquanto ciência que fora difundida a partir no século XIX, sem avanços, muito derivada de uma modernidade estabelecida e calcada na ideologia ainda dominante e no racionalismo matemático que tenta permear as teorias sociais. Entretanto, o direito processual não é fruto de laboratório, mas, sim, é o resultado de uma manifestação social, construído por pessoas que buscam solucionar os conflitos derivados da própria complexidade da vida gregária, portanto, atividade criativa dos envolvidos a partir do processo dialético. Tanto assim o é que nesse sentido, se pode lembrar algumas formas de solução de conflito que, inclusive, tem suas origens perdidas no tempo, como, por exemplo, a primitiva autotutela, que se traduz na imposição do desejo do mais forte sobre o do mais fraco; ou ainda, a autocomposição, que é quando os próprios envolvidos sem auxílio de um terceiro compõem a solução mais adequada ao problema enfrentado; e, como também a heterocomposição, que se traduz na busca por um terceiro para que proponha/imponha uma solução ao conflito posto. Nessa perspectiva é fácil imaginar as três situações ao longo da história da humanidade. Imagine-se no caso da autotutela, por exemplo, que um homem primitivo em razão de um desequilíbrio do seu próprio mundo estabelece por meio da força aquilo que acha que lhe é devido. Ou no caso da autocomposição em que dois vizinhos cedem ao acordo em favor da manutenção da boa-vizinhança, ou ainda, comerciantes de cidades distintas que preferem “perder um pouco” em vez de “perder o negócio inteiro” mantendo a relação comercial cultivada. Já o exemplo que se pode imaginar no caso da heterocomposição é o de integrantes de determinada comunidade que buscam um ancião - terceiro alheio aos fatos - para que dê a melhor solução ao problema posto. Dessa forma evidente que o método de solução de conflito (modernamente denominado “processo”) é na verdade mero resultado de um jeito socialmente elencado como passível de solucionar um conflito vivido por aquela comunidade, portanto, nada mais é do que um produto social das condições de tempo e espaço de determinada cultura. Conclui-se que como produto social deve possuir estrutura dialética e autônoma capacitada a emancipar os sujeitos envolvidos para que em coparticipação criem a melhor solução ao caso concreto.

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Publicado

2024-12-12