A POLÍTICA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA

ESTUDO DE CASO NA AMÉRICA LATINA (2012-2022)

Autores

  • Thyerrí José Cruz Silva

Resumo

A segurança pública é palavra de ordem em qualquer sociedade organizada na América Latina, e sua busca pelo controle da violência e criminalidade a níveis toleráveis deve ocorrer por meio de políticas públicas, ainda que tenha sido necessário um lapso temporal significativo para tal concepção (Estrada Rodríguez, 2014). Como toda medida política em sentido amplo, planos e programas voltados a prevenir e reprimir delitos são influenciados por características políticas, podendo-se afirmar que o conteúdo das políticas públicas indica o seu norte político e ideológico, baseado nas diretrizes desta estirpe adotadas pelos governos que as elaboram (Carrión Mena, 2019). Não sem razão, costuma-se apontar que políticas de segurança pública elaboradas por governos de direita e neoconservadores tendem a recrudescer as formas de enfrentamento à criminalidade, privilegiando a ação policial, a atuação complementar das Forças Armadas, o atuarialismo, a repressão penal (Carvajal Martínez, 2010; Moreira, 2019). Governos de cariz progressista, por sua vez, apostam em medidas transversais e intersetoriais, com enfoque preventivo primário nas causas da criminalidade, participação cidadã, reabilitação dos infratores e restauração dos vínculos de socialização (Espinoza Grimalt, 2008; Antillano, 2012; Carrión Mena, 2022). Tais características são atribuídas às políticas de segurança pública em sentido geral, que incluem a etapa preliminar de elaboração legislativa e a concretização via ações e operações concretas, cotidianas e emergenciais, o que conduz à necessidade de investigar o caso dos planos e programas, intermediários a ambas etapas. Assim, o problema que norteia o presente resumo é: as políticas públicas de segurança pública apresentam, em seu conteúdo, as características político-ideológicas dos governos que as elaboram? Objetiva-se, portanto, analisar as políticas públicas de segurança pública na América Latina com relação ao viés político-ideológico constante em seu conteúdo. Busca-se testar a hipótese, baseada na literatura, de que planos e programas de segurança pública apresentam em seu conteúdo as características político-ideológicas dos governos que as elaboram. Como objetivos específicos, almeja-se: identificar e analisar políticas públicas de segurança pública elaboradas por países latino-americanos governados sob distintos espectros políticos, formular indicadores de viés progressista e neoconservador baseados na literatura sobre o tema e comparar o conteúdo das políticas públicas analisadas com os indicadores estabelecidos no presente resumo. A pesquisa é qualitativa, por investigar fenômenos sociopolíticos, sua natureza e relações entre suas variáveis, e aplica o método dedutivo por partir da premissa geral de relação entre características político-ideológicas e a direção da segurança pública para verificar se tal relação ocorre no âmbito particular dos planos e programas. Adota, ainda, a técnica de estudo de caso de tipo múltiplo e explanatório, por verificar a situação em mais de um país, por selecionar variáveis e explicar suas relações e por permitir a generalização analítica dos fenômenos analisados e conclusões obtidas, guardadas as particularidades de cada caso (Yin, 2001). Tanto a delimitação espacial nos planos e programas de segurança pública da Bolívia, México, Paraguai e Peru, quanto a delimitação temporal de dez anos compreendidos entre 2012 e 2022 favorecem à análise do conteúdo das políticas públicas em relação ao componente ideológico predominante, em razão da investigação de medidas elaboradas por governos de diferentes espectros políticos e da eventual observação de (des)continuidades em caso de alternância de ciclo político – casos do México, com a guinada à esquerda a partir de 2018, e do Peru, com o giro à direita no mesmo ano, ao passo que a Bolívia foi governada pela esquerda e o Paraguai pela direita durante todo o lapso temporal delimitado. As políticas analisadas são: Plan Nacional de Seguridad Ciudadana (2012-2016) e Plan Sectorial de Desarrollo Integral de la Seguridad Ciudadana (2021-2025) na Bolívia; Programa Nacional para la Prevención Social de la Violencia y Delincuencia (2014-2018) e Plan Nacional de Paz y Seguridad (2018-2024) no México; Estrategia Nacional de Seguridad Pública (2013-2016) no Paraguai; e os Planes Nacionales de Seguridad Ciudadana (2013-2018 e 2019-2023) no Peru. Os indicadores de viés progressista no conteúdo dessas políticas são: enfoque preventivo primário (políticas intersetoriais voltadas às causas do crime), participação cidadã na gestão da segurança, equidade quanto aos grupos vulneráveis mais sujeitos à violência, reabilitação e reinserção social dos infratores e restauração do tecido social. Já os indicadores de viés neoconservador são: enfoque preventivo secundário (fortalecimento da ação policial) e terciário (melhoramento nas condições penitenciárias), perspectiva atrelada à defesa do Estado e suas instituições, eficiência técnica e austeridade e atuação complementar das Forças Armadas. A verificação da correspondência do conteúdo das políticas com os indicadores formulados baseia-se, para além da mera menção, ao seu detalhamento e aprofundamento. Não se busca, com o presente resumo, verificar a correspondência entre as metas estipuladas pelas políticas e os resultados concretos observados, o que pode ser complementado por outras pesquisas. Após essas considerações, a análise das sete políticas mencionadas permite constatar que a hipótese de influência da ideologia política do governo sobre a elaboração das políticas, verificada a partir da análise do conteúdo de cada uma, confirma-se com relação à maioria das políticas. Assim, os planos bolivianos, de cariz progressista, atendem a todos os indicadores de progressismo formulados com relação à segurança pública, como o maior enfoque preventivo primário que secundário e terciário, participação cidadã, equidade quanto aos grupos mais vulneráveis à violência, reabilitação dos infratores e restauração do tecido social. Da mesma forma, o programa mexicano de 2014 a 2018 e o plano peruano de 2013 a 2018, de mesmo cunho político-ideológico, que repete essas características, ao passo que o plano de 2019 a 2023, do mesmo país, mas com enfoque neoconservador, possui maior enfoque secundário e terciário que primário, busca por eficiência técnica e ausência de políticas voltadas  restauração do tecido social, correspondendo, portanto, aos indicadores próprios de governos com esse espectro político. As exceções à hipótese, que não a confirmam nesses casos, ficam por conta do plano mexicano de 2018 a 2024 e a estratégia paraguaia de 2013 a 2016. No primeiro caso, a orientação político-ideológica progressista do governo de Andrés Manuel López Obrador (2018-2024) no plano conferiu, de fato, maior enfoque preventivo primário que secundário e terciário, mas não incluiu em seu conteúdo formas de participação cidadã, tampouco equidade quanto aos grupos vulneráveis mais suscetíveis a sofrer com as variadas formas de violência. Optou, ainda, por explicitar a atuação complementar das Forças Armadas nas atividades de segurança, o que é indicador neoconservador, tal como menções, com tom disciplinar, sobre a busca por uma “regeneração moral” ante o esmaecimento de “valores”, o que não se encontra no rol de características comumente constantes em políticas públicas de segurança pública influenciadas pelo progressismo. Com relação à estratégia paraguaia, elaborada por um governo conservador recém-ascendido ao poder em decorrência do impeachment do presidente esquerdista Fernando Lugo (2008-2012), a base do documento foi elaborada em 2010, ainda durante esse governo, tendo havido alterações para corresponder ao horizonte político do novo governo. Ainda assim, observa-se, em seu conteúdo, uma priorização ao enfoque primário, um enfoque secundário baseado não apenas na atividade estritamente policial, um enfoque terciário em busca de soluções alternativas para o aprisionamento, além da previsão, ainda que parcial, de uma restauração do tecido social, o que correspondem a indicadores mais próximos da esquerda progressista que a da direita neoconservadora, diferentemente, portanto, do espectro do governo que a elaborou e implementou. Conclui-se, portanto, que a hipótese se encontra parcialmente confirmada, tendo em vista que em alguns casos observa-se, de fato, uma correspondência entre a ideologia política do governo que a elaborou e o conteúdo das políticas públicas de segurança pública com relação aos indicadores relacionados à orientação política do governo, havendo, entretanto, as exceções observadas, que apontam para uma concepção de segurança pública em direção relativamente oposta à diretriz político-ideológica característica dos governos que as elaboram, discrepância cujas possíveis causas podem ser investigadas e explicadas por pesquisas posteriores.

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Publicado

2024-12-12