EM BUSCA DA PREVENÇÃO PERDIDA?
ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NA AMÉRICA LATINA NEOCONSERVADORA (2015-2022)
Resumo
Apesar de não ser caracterizada pela existência de conflitos bélicos intra ou inter-regionais, a América Latina tornou-se, nas últimas décadas, a região mais perigosa para se viver, em virtude dos altos índices de violência e criminalidade apresentados, que abrangem uma variedade de espécies delitivas e formas de agressão (Iep, 2023). Dada a complexidade e magnitude dessa conjuntura, o fenômeno social do delito, influenciado por aspectos políticos e ideológicos, demanda a criação e estabelecimento de medidas evitar sua ocorrência e minorar suas consequências. Despontam, portanto, as políticas públicas como ações estatais organizadas e estruturadas com a finalidade de enfrentar a violência e a criminalidade e reduzi-las a níveis toleráveis à coexistência harmônica e pacífica em sociedade. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2009), políticas públicas de segurança pública devem apresentar, dentre outros, os seguintes elementos: enfoque preventivo, abordagem integral e transversal e alinhamento com teorias criminológicas e dados estatísticos confiáveis. Na contramão desses requisitos, planos e programas elaborados por governos neoconservadores da região são caracterizados por um enfoque mais repressivo e punitivo que preventivo (Moreira, 2019; Ayala Saavedra, 2021), o que os aproxima das prevenções secundária – ação policial urbana – e terciária – atuação no âmbito carcerário –, mas não primária – prestações em áreas sociais. Percebe-se, pois, a necessidade de se verificar a plausibilidade científica da suposição, considerando que cada dimensão da prevenção reflete de maneiras diferentes nos direitos humanos de todas as pessoas sujeitas a essas medidas. Assim, o presente resumo questiona: como as políticas públicas de segurança pública elaboradas entre 2015 e 2022 pelos governos neoconservadores do Brasil, Chile, Colômbia e Equador tratam da prevenção ao delito? A seleção dos países é justificada pelas semelhanças quanto ao fenômeno da alternância de ciclos políticos. Em resposta provisória, apresenta-se a seguinte hipótese: se o neoconservadorismo, em matéria criminal e de segurança pública, defende maior repressividade e atuação centrada nos órgãos policiais e carcerários, então as políticas públicas dessa área elaborada por governos neoconservadores tendem a reforçar a prevenção secundária e terciária, mas não a primária, de enfoque transversal e própria de políticas progressistas. O objetivo geral do resumo é, portanto, analisar como as políticas públicas de segurança pública elaboradas por governos latino-americanos neoconservadores tratam da prevenção ao delito. Como objetivos específicos, almeja-se apresentar os tipos de prevenção ao delito segundo a Criminologia, discutir a segurança pública no contexto latino-americano e investigar políticas públicas de segurança pública durante a onda neoconservadora. Com relação à metodologia, a fim de responder ao problema a partir do teste da hipótese, são selecionados e analisados planos e programas plurianuais e nacionais elaborados por governos neoconservadores conforme a delimitação espacial de países e temporal de anos. A análise considera a forma como os documentos tratam das dimensões da prevenção do delito, ou seja, qual ou quais dimensões recebem maior enfoque e priorização pelos governos. Nesse sentido, a Criminologia apresenta que a prevenção ao delito divide-se em três tipos ou dimensões: a primária, a secundária e a terciária. A primária atinge as causas do delito, considerado como oriundo, muitas vezes, de um contexto de desigualdades socioeconômicas e de oportunidades, demandando programas, ações e políticas com objetivos sociais de médio e longo prazo, a partir do chamado enfoque transversal e integral. A secundária se orienta a casos seletivos e concretos, relacionando-se especialmente com a política legislativa penal e a ação policial situacional, caracterizadas pelos interesses de prevenção geral a partir da intervenção de forças repressivas estatais nos ambientes e entornos urbanos sociais, o denominado modelo situacional. Já a prevenção terciária opera após a prática do delito para evitar a reincidência, sendo, portanto, menos preventiva que as demais, limitação que se soma às objeções metodológicas e ideológicas acerca de sua têndencia à regressão, antissocialização, dissuasão e punitivismo, convertendo a prevenção em formas de controle, vigilância, disciplina e repressão, com enfoque nos mesmos grupos humanos sociais considerados perigosos, o que demonstra ainda mais o seu caráter conservador, seletivo e discriminatório (Gomes; García-Pablos de Molina, 2012). O mapeamento de políticas públicas conforme o recorte temporal e espacial permitiu analisar as seguintes políticas: no Brasil, o Plano Nacional de Segurança Pública (2017-2018), o Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2018-2028, interrompido em 2021) e o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2021-2030); no Chile, o Acuerdo Nacional por la Seguridad Pública (2018-2021); na Colômbia, a Política Marco de Convivencia y Seguridad Ciudadana e a Política de Defensa y Seguridad para la Legalidad, el Emprendimiento y la Equidad (ambas de 2019 a 2022); e no Equador, o Plan Nacional de Seguridad Integral (2019-2030) e o Plan de Seguridad Ciudadana y Convivencia Pacífica (ambos de 2019 a 2030). Ao se analisar o conteúdo de cada uma dessas políticas com relação à forma com a qual tratam à prevenção, ou seja, qual é ou quais são os tipos de prevenção que recebem maior enfoque e como isso ocorre, observa-se que, no caso do Brasil, a política de 2017/2018, caracterizada pelo reduzido grau de detalhamento nos objetivos e metas, faz uma menção genérica à prevenção primária, destacando os casos de programas de fortalecimento da família, dos espaços de diálogo e capacitação laboral para integrantes de grupos vulneráveis e sujeitos à violência e criminalidade, apresentando, entretanto, enfoque nos programas de prevenção secundária, de policiamento urbano, e terciária, com relação ao sistema penitenciário. As políticas de 2018-2028 e 2021-2030 também apresentam com maior frequência ações de prevenção secundária, a partir do modelo situacional de intervenção no entorno e ambientes da criminalidade urbana, e terciária, com relação às medidas referentes ao cárcere, contando com menções genéricas à prevenção primária. No caso do Chile, há uma preocupação “técnica” com a eficiência do enfrentamento e controle ao delito, a partir de diversas ocorrências que indicam a predileção pelos programas de prevenção secundária e seu modelo situacional de intervenção no ambiente a partir de policiamento ostensivo. Na Colômbia, paradoxalmente, a política mais ampla – voltada à legalidade, emprego e equidade – até principia as ações destacando a necessidade de se adotar uma visão multidimensional da segurança para além do componente militar e policial, mas destina a maior parte dos objetivos à situação geográfico-territorial da criminalidade, o que se amolda à prevenção secundária, bem como ao mencionado “castigo severo à reincidência”, símbolo da prevenção terciária. A política de convivência também menciona a necessidade de se adotar uma ideia transversal de convivência para além da estrita ação policial, também destina parte expressiva do plano para os programas de prevenção secundária pelo controle territorial, mas se observa um equilíbrio com relação a certas políticas de caráter primário, como o fortalecimento da família, a busca pelo emprego e equidade – que designam o título e finalidade da política anteriormente analisada –, aperfeiçoamentos no meio-ambiente, arte, esporte, cultura, socialização, educação e saúde. No Equador, as políticas estão alinhadas a teorias criminológicas em maior grau que as demais e, apesar de igualmente destinarem espaço para a prevenção secundária – o que não poderia ser diferente, pois presença estatal nos territórios via ação policial não é menos importante no enfrentamento ao delito –, enfatizam a segurança humana enquanto corolário das demais formas de enfrentamento e controle do delito, desde a política de segurança integral, o que tem por objetivo específico, na política de convivência, a busca pela prevenção da conflitividade social, tida por oriunda das desigualdades, ainda que não haja um aprofundamento neste aspecto que pode indicar objetivos próprios de prevenção primária. À guisa de conclusão, as políticas analisadas de fato apresentam enfoques na prevenção secundária e terciária, o que se observa em menor grau no caso dos planos de segurança equatorianos e no plano colombiano de convivência, ao menos nos documentos que enunciam tais políticas. Os resultados encontrados, portanto, confirmam parcialmente – em virtude das exceções observadas em três das oito políticas analisadas – a hipótese que correlacionava esses enfoques aos governos neoconservadores, o que pode ser complementado a partir de um comparativo com as políticas de governos progressistas e, mais ainda, a análise da situação concreta dos direitos humanos nos países que adotaram as políticas com certo equilíbrio entre as dimensões da prevenção, como a colombiana de convivência e as equatorianas, a fim de verificar eventual contraste entre a pretensão transversal e preventiva e uma possível prática restritiva à ação policial repressiva.
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