INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E VIDA COTIDIANA
O PAPEL DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE NO CAPS AD II
Resumo
Desde a década de 1990, com o marco histórico estabelecido pela Constituição Federal de 1988, a saúde foi reconhecida como um direito fundamental. Esse reconhecimento culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema “do povo para o povo”. No entanto, frequentemente não somos instruídos a compreender como o SUS opera em nosso cotidiano e como a saúde é produzida e discutida em e com a comunidade local. A compreensão das nuances da Saúde Pública se torna evidente apenas quando se observa a realidade no território.
Esta experiência investiga a Educação Popular em Saúde na Assembleia de um CAPS AD II, como estratégia para ampliar a ‘’participação no controle social do SUS’’ (BRASIL, 2011). O objetivo é fortalecer os vínculos com o dispositivo e promover a retomada do exercício da cidadania, que foi negado pela exclusão social decorrente do estigma associado a pessoas em sofrimento mental e usuários de álcool e outras drogas. Identificamos como um problema a ser superado as lacunas entre o saber técnico-científico em saúde e sua aplicabilidade, bem como a integração desse saber com o conhecimento “narrativo” no contexto das populações assistidas.
Com base na literatura de Paulo Freire e bell hooks, delineamos um percurso que busca uma abordagem transgressora e libertária. Nosso objetivo é nutrir o povo por meio da troca de saberes, promovendo o reconhecimento dos direitos e o engajamento político, ampliando as possibilidades de participação nos cenários sociais através do exercício da participação comunitária. Nesse sentido, elaboramos um modelo de participação dentro da assembleia, inspirado na “Roda Formativa para Participação e Controle Social” do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP).
Como avançar diante das barreiras institucionais que delimitam o caminho que o conhecimento em saúde deve seguir? Esta inquietação emerge de um movimento significativo no contexto do Programa de Residência Multiprofissional, e no cenário de atuação no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPSAd II). Sustentamos a ideia de que o conhecimento acumulado deve servir como base para a formação de “pensamentos críticos”. Contudo, o percurso revela que a integração entre o saber adquirido e sua efetiva aplicação prática é uma reflexão que buscamos realizar aqui. Defendemos um processo que nutra fatores considerados essenciais para a promoção de uma transformação coletiva.
Salientamos que a troca de conhecimento, na perspectiva da educação democrática de bell hooks (2015), contribui para nortear a forma como a educação popular em saúde pode e deve ser construída, permitindo que a aprendizagem e o debate sobre Políticas Públicas transcendem a ideia elitista do domínio do saber e permeiam a vida cotidiana de indivíduos que sequer passaram pelo ensino formal. Costuramos este tecido social com a contribuição de Paulo Freire (São Paulo, 2015), que demonstrou, por meio da insistência em refletir sobre a prática de ensinar e aprender, como ferramenta de enfrentamento à discriminação e opressão, destacando as potencialidades humanas como o diálogo, a humildade e a generosidade, atributos fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem.
Reconhecemos que o resgate da narrativa histórica no contexto atual de atuação é estritamente necessário. A consolidação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP-SUS) resulta de um movimento que promoveu uma transformação no modelo teórico-prático, fomentando princípios éticos alinhados com as demandas das classes populares e com uma estreita relação com a luta social, resistência e tensionamentos desde a década de 1950 (Brasil, 2013).
Entendemos que as assembleias dentro do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD) desempenham um papel crucial na reabilitação psicossocial, por meio do exercício da inserção ativa no serviço e na gestão cotidiana do atendimento em Saúde Mental, considerando este espaço como democrático e participativo. Promovemos um espaço verdadeiramente emancipatório ao compreendermos “o conhecimento como uma experiência que enriquece a vida integralmente” (hooks, 2015). Nesse sentido, desenvolvemos uma roda de partilha durante a assembleia do CAPS AD II, onde revisamos a história por meio de uma linha do tempo das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, resgatando os atores sociais e as classes que lutaram para transformar esse cenário.
A assembleia foi escolhida como ponto estratégico devido à sua importância no serviço do CAPS Ad II, que ficou por um longo período sem acontecer, essa interrupção ocorreu desde 2015 até o início de 2023, quando foi retomada. Este espaço está alinhado com o que se discute amplamente na atualidade e entendemos como estado da arte, ou seja, a participação popular no controle social do SUS, bem como as abordagens psicossociais que defendem espaços que fomentem o empoderamento e o protagonismo dos usuários.
A roda acontece semanalmente, em um modelo aberto a todos, com a participação de usuários, familiares, profissionais e estudantes. A duração da assembleia é, em média, de duas horas, dividida em dois momentos: o primeiro consiste na roda formativa, utilizando a metodologia da Educação Popular em Saúde, com discussões sobre História e Consolidação do SUS, Participação no Controle Social, Reforma Psiquiátrica, Políticas Públicas em Saúde Mental, entre outros temas. O segundo momento é dedicado ao acompanhamento, fiscalização, reclamações e encaminhamentos sobre as demandas do CAPS AD II, como um modo permanente de construção de um espaço coletivo que também contribui para o viés terapêutico. Esta experiência teve início em abril de 2024 e tem sido mantida até o presente momento, sendo uma dessas rodas formalmente registrada como uma atividade de multiplicação formativa do projeto Participa[1]+, contribuindo para o fortalecimento do SUS no Brasil.
Observa-se que, durante o processo de retomada da assembleia e do movimento de troca de conhecimentos na perspectiva da educação popular em saúde, houve um aumento significativo no engajamento dos usuários e participantes. Este processo ampliou a percepção e o senso de pertencimento em relação ao serviço do CAPS AD II, evidenciando a possibilidade de integração entre as políticas públicas e a realidade cotidiana, tanto no dia a dia quanto no movimento comunitário.
[1] Participa+ é um projeto com objetivo de formar pessoas com capacidade político-pedagógica para facilitar oficinas formativas para integrantes dos Conselhos de Saúde e lideranças sociais. Realização: OPAS, OMS, CEAP, CNS, SUS, Ministério da Saúde e Governo Federal.
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