Dossiê Temático: Direitos Humanos e Minorias Sociais

Autores

Palavras-chave:

Direitos Humanos, Minorias Sociais

Resumo

Os conflitos de múltiplas ordens que marcam o contemporâneo e retroalimentam relações sociais de dominação e resistência em diferentes espaços, permitem demarcar a relevância do debate sobre direitos humanos. Ora, quais as transformações pelas quais passam as instituições sociais e o próprio discurso dos direitos humanos a partir das demandas formuladas, apresentadas e debatidas na esfera pública por diferentes movimentos sociais ambientalistas, (trans) feministas, indígenas, LGBTQIAPN+, assim como outros voltados para a defesa de crianças, adolescentes, jovens e idosos em suas tensões de caráter intergeracional (Costa Júnior & Barrero Júnior, 2018)?

  A democracia é uma conquista histórica que demanda a constante participação e defesa dos princípios que desde o século XVIII foram instituídos como direitos inalienáveis e que ao longo do tempo vêm sendo objeto de reformulação teórica e prática (cf. Hunt, 2009). A defesa da vida – considerada em sua multiplicidade expressa em formas culturais plurais em diversos aspectos linguísticos, econômicos, políticos e jurídicos – constitui o alicerce fundamental para o debate sobre direitos humanos e minorias sociais. Vale indagar: como as políticas públicas podem contribuir para a defesa deste direito inalienável que é a vida? De que maneira as novas relações entre Estado e sociedade civil, mediadas e tensionadas pela presença das redes sociais digitais, têm reconfigurado o debate público sobre direitos humanos? Quais as formas de participação da sociedade civil para influenciar as políticas públicas de direitos humanos, assim como a fiscalização de gestores públicos? Quais são os “novos sujeitos de direitos” que têm surgido na esfera pública sob o signo da diferença e da diversidade? Como as diferentes mídias (TV, cinema, redes sociais digitais etc.) contribuem ou obstaculizam o debate sobre direitos humanos em meio às ações negacionistas ancoradas em usos ideológicos do passado ou na falsificação de informações de ontem e de hoje?

  As demandas contemporâneas por representação e participação contribuem para ampliar a pauta de direitos humanos e, mais que isto, para reformular políticas públicas em curso. Trata-se de reconhecer a historicidade das políticas públicas como efeito de momentos e conjunturas políticas democráticas e antidemocráticas (Daminelli, 2019), mas fundamentalmente como resultado de lutas e embates no espaço público.

A visibilidade de temas como relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade em movimentos sociais, mídias digitais e na própria literatura contemporânea, permite compreender as transformações pelas quais passam tanto o conceito como a experiência da cidadania. Diante disso, como o discurso dos direitos humanos tem participado do debate sobre currículos e formação de professores/as em disciplinas variadas da educação básica, mas também na formação em nível superior? Como diferentes narrativas culturais, tais como literatura, cinema, memes, redes sociais digitais etc., têm participado e criado formas de entendimento e divulgação sobre direitos humanos?

O reconhecimento do racismo como aspecto estruturante da sociedade brasileira e que tem ganhado repercussão nos últimos anos através de diferentes formas de abordagem, contribui para ampliar o debate sobre direitos humanos ao desnaturalizar qualquer perspectiva universalizante e abstrata de “sujeito de direitos” ou “cidadão”, reconhecendo como diferenças étnicas e raciais são agenciadas para promover a ampliação dos direitos ou – a partir da discriminação – adiar novas conquistas (Rios, Santos & Ratts, 2023). Neste sentido, a compreensão das relações étnico-raciais contemporâneas, ainda marcadas pela exclusão e violência de Estado contra as populações negras e indígenas guarda laços fortes com a formação histórica do nosso país e o genocídio que o constituiu como nação (Ribeiro, 2006). Do mesmo modo, pode-se ver como as relações étnico-raciais têm participado dos fenômenos das migrações contemporâneas, articulando-se com conflitos locais e internacionais que geram deslocamentos de populações humanas e geram impactos sociais, ambientais e econômicos. Isto, por sua vez, apresenta os limites e os novos embates para as políticas de direitos humanos em âmbito global, necessitando de reconfigurações no Direito Público Internacional e no próprio estatuto da cidadania para além das fronteiras nacionais (Santos, 1997).

  Diante desse inventário de perguntas e questões-chave, o dossiê então apresentado pela Revista Desenvolvimento Socioeconômico em Debate contribui com um conjunto de dez textos de diversas áreas das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas. As discussões avançam sobre as experiências locais e globais que envolvem os direitos humanos, a partir de análises socioeconômicas e culturais relativas aos marcadores sociais da diferença, levantamentos bibliográficos, teóricos e conceituais sobre movimentos sociais e análises de políticas públicas (educacionais, de saúde, de segurança pública).

Obrigações positivas emergentes da convenção americana de direitos humanos e seus reflexos no caso de violência policial Genivaldo dos Santos de Jesus é o texto de abertura do dossiê, de autoria de Helga Costa Mendonça de Rezende e Geisa Costa Coelho. O texto analisa a aderência do Estado brasileiro à Convenção Americana de Direitos Humanos referente ao julgamento e punição das arbitrariedades das forças policiais em abordagens nas periferias brasileiras. As autoras mobilizam um breve histórico do sistema jurídico de proteção dos direitos humanos, em especial a responsabilização do Estado face à violação da integridade dos moradores da favela Nova Brasília, caso ocorrido em 2017, para embasar a visão de um possível julgamento do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao caso de Genivaldo dos Santos de Jesus, homem negro morto por asfixia no interior de uma viatura policial em 2022.

O Brasil do tempo presente também inspira a análise do texto Direitos Humanos para humanos direitos: a desinformação enquanto discurso contra políticos de esquerda, de autoria de Lícia Fresa Pisa e Miguel Quessada. As autorias analisam as fake news disseminadas contra personalidades políticas do campo progressista brasileiro, em especial os deputados Marcelo Freixo e Maria do Rosário, além da vereadora Marielle Franco. A narrativa demonstra como a desinformação política vincula os mandatos de esquerda aos direitos humanos enquanto defesa da criminalidade, num processo que opera em paralelo à propaganda negativa e cujos resultados são a perda da credibilidade dos sujeitos e a afronta à verdade, ao pleito político e à democracia em si mesma.

A hospitalidade em serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes vulneráveis, medida protetiva prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, é objeto da reflexão de Débora Cristina da Silva e Ailton J. Cavenaghi no texto A hospitalidade no Serviço de Acolhimento Institucional da Criança e do Adolescente – SAICA II. A partir de entrevistas semiestruturadas realizadas com agentes do serviço de acolhimento, a narrativa analisa a relação de hospitalidade entre o anfitrião e o hóspede como um instrumento para a promoção da qualidade de vida das crianças e adolescentes que, por estarem com seus direitos violadas, demandam que as instituições instaurem processos de hospitalidade constante durante a permanência dos sujeitos da instituição.

Uma discussão sobre as universidades brasileiras, e em especial a formação em medicina, é empreendida na perspectiva do feminismo decolonial por Carla Bertoncini, Tayana Roberta Muniz Caldonazzo e Tiago Domingues Brito. O texto reflete sobre a importância de uma formação que englobe as interseccionalidades entre diferentes marcadores sociais para uma prática médica antirracista, mediante cuidado epistemológico que dê conta de colocar em pauta violências sofridas pelos corpos negros. A decolonialidade é a perspectiva adotada para narrar uma história dos privilégios oriundos da branquitude, fundamental para que os estudantes brancos se entendam como racializados, ou seja, atravessados por essa estrutura em um local de privilégio. A narrativa se intitula: Expulsando a sombra do colonizador na educação médica: caminhos para uma justiça reprodutiva.

Natália Rodrigues Codeço Ribeiro e Heitor Benjamin Campos empreendem estudo intitulado O instituto da entrega voluntária em adoção: um instrumento efetivo de acesso à justiça para mulheres e garantia do melhor interesse da criança. Partindo de uma análise histórica sobre o instrumento, pautando-se na sua doutrina e jurisprudência, as autorias avançam sobre a análise dos direitos humanos das crianças, mas também das mulheres que optam por não maternar. A entrega de uma criança não desejada em adoção, afirmam as autorias, constitui avanço societário previsto no ordenamento jurídico brasileiro e deve ser humanizado, para a garantia do melhor interesse das crianças – qual seja, desenvolver-se em meio a relações de afeto, segurança e proteção – mas que esbarra em posturas conservadoras que sustentam a obrigatoriedade da maternagem das crianças pelas progenitoras em qualquer hipótese.

A partir de uma revisão bibliográfica sobre a teoria Queer, Letícia Sanches Rezende e Rodrigo Corrêa Teixeira analisam as influências, conexões e dissidências deste considerado movimento acadêmico com os estudos oriundos dos movimentos feministas lésbicos. A narrativa inicia com um apanhado histórico, mobilizando o surgimento do feminismo lésbico, nos anos 1970 e 1980, e finaliza com um estado atual destas conexões, em especial as vertentes transfeministas e o feminismo queer. O denso apanhado bibliográfico produzido está centrado nas produções do norte global, sobretudo nos Estados Unidos. O texto intitula-se: Reimaginando Identidades: Feminismo Lésbico e Teoria Queer em Perspectiva.

Da teoria do reconhecimento à ideia do socialismo: Axel Honneth, recortes, aproximações e educação quilombola, de autoria de Jaquicilene Ferreira da Silva Alves e Edna Gusmão de Góes Brennand, propõe um diálogo entre a biografia de Axel Honneth – filósofo e sociólogo alemão e sua gramática dos conflitos – e a educação quilombola no Brasil, em diferentes nuances marcadas pelas interseccionalidades. A revisão de literatura proposta pelo artigo resgata o socialismo e a teoria do reconhecimento como proposta de liberdade social coerente, mas ainda distante da realidade dos quilombos no Brasil. Como sustentam as autorias, aos quilombos um pensar socialista se manifesta como reivindicação de uma sociedade plural e inclusiva, que busca a legitimação de seus direitos fundamentais.

O texto que encerra a seção de artigos do dossiê intitula-se Onde estão as minhas, sororidade? A falácia dos discursos universalistas na luta dos Direitos Humanos de mulheres negras, de autoria de Laura Beatriz Pires e Margarita Maria Asuncion Lara Neves. O estudo empreende uma análise sobre a invisibilidade das mulheres negras na teoria crítica do feminismo colonial em face dos direitos humanos. A partir de Grada Kilomba, interpela sobre a sororidade em contextos em que os feminismos ignoram a perspectiva interseccional e em especial o elemento raça. As autoras discutem a herança colonial legitimada pela negligência política, histórica, cultural e econômica enfrentada pelas mulheres negras, revelando os danos causados pelos discursos universalizados dentro dos direitos humanos para a causa das mulheres negras, fortalecendo a concepção branca de mulheridade.

O dossiê Direitos Humanos e Minorias Sociais conta, ainda, com dois outros textos; uma entrevista à Ione Ribeiro Valle, realizada por Tatiane da Silva Virtuoso, Kleberson Rodrigo do Nascimento e Vanessa Santos Vicente, centrada na contribuição do sociólogo Pierre Bourdieu para o campo da Educação; e uma resenha do livro Crianza de imperios: classe, blanquitud y la economia moral del privilegio en América Latina, de autoria de Isabel Schapuis Wendling.

No seu conjunto, os textos apresentados ancoram um arcabouço teórico e político fundamental para compreender as querelas dos direitos humanos e das minorias sociais no tempo presente. O debate de natureza conceitual mobilizado pelas autorias dos estudos aqui apresentados também abre possibilidades para a problematização de concepções outras de direitos humanos, para além das referências jurídicas e políticas da tradição ocidental e sua crítica recente o que estende o repertório sobre as culturas de direitos humanos (Santos, 1997).

A seção de Artigos Livres desta edição v. 10, n. 2, está composta por cinco artigos: Leis de Diretrizes Orçamentárias (2010 a 2023): Precarização dos recursos para a ATER e submissão às pretensões políticas, de autoria de Kleber Destefni Ferretti; Avaliação da eficácia um modelo de Inteligência Competitiva aplicado à indústria do café: evidências do Brasil, por Eduardo César Silva, Angélica da Silva Azevedo, Paulo Henrique Montagnana Vicente Leme e Luiz Gonzaga de Castro Júnior; Percepções de estudantes e educadores da EFASUL sobre a Pedagogia da Alternância e a efetividade do parecer CNE/CEB n.º 1/2006 na validação do tempo comunidade como tempo de formação do estudante, narrativa de Letícia Bauer Nino e Maria de Fátima Magalhães Jorge; A aplicabilidade do acordo de não persecução penal nos crimes de tráfico de drogas privilegiado: uma análise jurisprudencial das decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Karoline Schoroeder Soares e Hector Cury Soares, e; Sumarização extrativa automática de artigos médico-científicos referentes a Covid-19 no Brasil, Daniel Augusto Veronezi Salvador, Érica da Silva Sipriano, Kristian Madeira e Merisandra Côrtes de Mattos.

 

Desejamos a todos e todas uma excelente leitura.

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Biografia do Autor

Camila Serafim Daminelli, Universidade do Extremo Sul Catarinense

Doutora em História. Universidade do Extremo Sul Catarinense.

José dos Santos Costa Júnior , Universidade Regional do Cariri

Doutor em História. Universidade Regional do Cariri.

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Publicado

16-12-2024

Como Citar

SERAFIM DAMINELLI, Camila; DOS SANTOS COSTA JÚNIOR , José. Dossiê Temático: Direitos Humanos e Minorias Sociais . Desenvolvimento Socioeconômico em Debate, [S. l.], v. 10, n. 2, 2024. Disponível em: https://periodicos.unesc.net/ojs/index.php/RDSD/article/view/9507. Acesso em: 19 abr. 2025.